ONIPOTÊNCIA HISTÓRICA: Escrito Por Gilvan de Brito
ONIPOTÊNCIA HISTÓRICA: Escrito Por Gilvan de Brito
Assistimos ontem a um exemplo histórico da onipotência de um governo contra todas as formas da boa convivência entre os poderes da República. O presidente Bolsonaro recebia a visita de alguns empresários do Rio de Janeiro e São Paulo que lhe oferecem apoio. Eles foram estimular o chefe da Nação a continuar com a sua insana escalada visando o fim do isolamento contra a pandemia do Corona-19, cujas mortes produzidas deverão ultrapassar os 10 mil óbitos, neste fim de semana. Então o que fez o presidente? Reuniu os presentes, acrescentou ao grupo o ministro Paulo Guedes, ligou as turbinas e partiu na direção do Supremo Tribunal Federal.
Sabem os que conhecem Brasília, que há uma Praça dos Três Poderes na mesma fronteira que reúne Executivo, Legislativo e Judiciário. Então o presidente saiu imponente, do Palácio do Planalto, atravessou a rua (depois de parar o trânsito) conduzindo a grande e insensata caravana, todos alegres e mascarados, numa visão de nonsense típica dos filmes de Federico Fellini, na direção do STF, a 300 metros à frente. Passou ao lado da enorme bandeira do Brasil, passou pelos dois Candangos – a bela escultura gigantesca esculpida pelo artista Bruno Giorgi; passou pelo Congresso Nacional, à direita, ao lado; passou pelo museu suspenso, com a efigie de Kubistchek (que guarda os documentos da construção de Brasília – onde provocou a revoada de centenas de pombos e, finalmente, chegou, depois de atravessar a rua, a outra escultura cortada em granito, de 3,3 metros, da mulher de olhos vendados e com uma espada, esculpida por Alfredo Cechiatti, que representa a imparcialidade da Justiça (embora não mostre a balança).
Feito isso subiu a rampa e entrou com a grande comitiva no prédio do Supremo, pegando de surpresa os seguranças, todos os ministros da Casa e o presidente da Corte, Dias Toffoli, dirigiu-se ao auditório onde fez um discurso, repetindo a ladainha, de que o Brasil precisa abrir suas fronteiras ao vírus que veio da China. Isso no dia (o terceiro seguido) em que as mortes atingiam mais de 600 a cada 24 horas e se aproximavam de um total de 10 mil óbitos em todos os quadrantes do país. Todos que assistiam a invasão, pela TV, ficaram de queixo caído, pela iniciativa presidencial, de invadir um Poder que deveria ser harmônico, e contrariar decisões que favoreciam ao confinamento, tomadas pelo STF quando transferiu aos governadores e prefeitos a decisão pela quebra da clausura.
Quando soube dessa invasão, na Câmara Baixa do Congresso, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse: “Aqui eles não entrariam; no máximo o presidente com mais duas pessoas, para discutir a questão”. Pensando bem, tudo isso parece ter saído de uma visão cinematográfica, produzida por um hábil ficcionista, ao mostrar um presidente saindo da sede de seu Poder para invadir outro, quebrando a liturgia do cargo. Estamos, pois, vivendo um seriado em vários atos, diários de uma ópera-bufa, não tão lírica quanto o gênero exige. Satírica, com certeza (Foto: O Globo).