Evangélicos atenuam rispidez contra Lula, criticam falas raivosas e destacam economia
Lula. Foto: Ricardo Stuckert/PR
por Anna Virginia Balloussier
Não que dê para dizer que o azedume de líderes evangélicos com Lula (PT) passou. Mas a má vontade do grupo na campanha eleitoral, que já havia dado sinais de trégua após a vitória sobre Jair Bolsonaro (PL), abrandou passado um ano de mandato do petista.
Esta reportagem conversou com sete pastores de calibre regional ou nacional, mais um ex-presidente da bancada evangélica, todos alinhados com Bolsonaro em 2022. Apenas Silas Malafaia disse não ver nada de bom na terceira incursão lulista no Palácio do Planalto.
Malafaia, que em 1989 votou em Lula no segundo turno e em 2002 chegou a aparecer em sua propaganda eleitoral, é tido como terreno irrecuperável para o presidente. Pares seus, contudo, reservam um tom mais agridoce em seu balanço, apontando o que veem como bolas foras sem desmerecer acertos da nova gestão.
“Este primeiro ano vem me surpreendendo positivamente”, diz Galdino Júnior, presidente do Ministério Santo Amaro da Assembleia de Deus. “É claro que não existe governo perfeito, mas, como um eleitor conservador que no ano passado não votou em Lula, podemos destacar mais pontos positivos do que negativos.”
Entre atos fortuitos, ele coloca a equipe ministerial, com destaque para o vice Geraldo Alckmin (PSB), que já tinha apreço no meio evangélico quando era rival declarado do agora camarada petista. “Ele foi a melhor indicação para o ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.”
Galdino também enxerga “mais equilíbrio político nas negociações para passar as pautas do governo no Congresso Nacional”, sobretudo a reforma tributária. O chamado centrão, de onde vem o grosso dos parlamentares evangélicos, tem engordado seu espaço na Esplanada.
A posição de Galdino espelha um perfil comum nessa casta religiosa, influente sobre colegas à frente de igrejas menores: conservadora nos costumes e liberal na economia.
Como ele, outros pastores criticaram o governo por, no apagar das luzes de 2023, anunciar medidas como a reoneração da folha de pagamento como forma de encurtar o rombo nas contas públicas. Seu avesso, a desoneração, começou a ser implantado no primeiro ano de Dilma Rousseff (PT) no poder —a ideia era dar mais competitividade a alguns setores da economia com uma carga tributária mais relaxada.
Mas, de modo geral, o cenário econômico agradou os pastores. O crescimento do PIB acima das expectativas do mercado, que ajudou o Brasil a se estabelecer como a nona economia do planeta, e a queda do desemprego e da pobreza mereceram elogios do apóstolo César Augusto.
Líder da goiana Fonte da Vida, ele integrou mais de uma vez a comitiva evangélica que frequentava o Planalto bolsonarista.
Não que, para ele, o céu seja só de brigadeiro neste primeiro ano do Lula 3. Duramente atacado em 2022 por muitos dos líderes que hoje o cobram por uma postura mais conciliatória, o chefe do Executivo teria dobrado a aposta na polarização.
Augusto desaprova declarações que, a seu ver, “em vez de tentar unir o país, incentivaram ainda mais as divisões políticas, com atitudes voltadas à sua base mais à esquerda, desprezando o fato de ter ganhado a eleição com uma diferença menor do que 2% sobre Bolsonaro”.
O deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), que já liderou o bloco evangélico no Congresso, diz que o empenho de Lula em pacificar o país não convenceu.
“A aprovação dele não melhorou entre evangélicos porque, quando ele ganhou, todos esperavam o Lula paz e amor para unificar o país. Já dizia Ulysses Guimarães, política não se faz com o fígado, e sim com a cabeça. Não se conserva rancor, a pátria não é capanga de ninguém.”
A perseverança de certa azia da liderança com o petista se espelha na avaliação arisca que a base deu ao governo na última pesquisa Datafolha. Uma fatia maior de evangélicos, 38%, o considera ruim ou péssimo, contra 30% da média nacional.
O presidente chegou a fazer acenos a essa parcela religiosa, num mea culpa sobre a maneira como a esquerda lidou com o grupo nos últimos anos.
“Temos que aprender para conversar com essa gente. Que é gente trabalhadora, gente de bem, gente que muitas vezes agradece à igreja por ter tirado o marido da cachaça para cuidar da família.”
Mas a estratégia de Lula em achar que pode falar diretamente com o povo evangélico, cortando a mediação de grandes pastores, seria uma furada. Os fiéis estão atentos ao que se prega no púlpito, o que se reflete no apoio em peso a Bolsonaro nos dois pleitos passados, avaliam os líderes.
Ainda que persista na retórica governista, em termos práticos, o presidente deixou em suspenso toda uma cartela de causas progressistas que muitos aliados esperavam ver avançar. Ponto para Lula, dizem os cabeças evangélicos. Se insistisse em pautar questões como aborto ou drogas, o bumerangue voltaria direto para ele.
Há um tropeço difícil de relevar para César Augusto e Edson Rebustini, presidente do Conselho de Pastores de São Paulo, uma das entidades que representa o corpo pastoral no estado. Decepcionou a posição sobre o massacre de israelenses em outubro, “ao não chamar o Hamas de grupo terrorista e igualar os lados, dizendo que Israel está fazendo um genocídio”, diz Rebustini.
É uma questão cara a muitos evangélicos, que têm uma leitura messiânica sobre o papel do Estado israelense na contemporaneidade.
Outra frustração, esta tratada nos bastidores do poder evangélico, foi Jorge Messias, o advogado-geral da União, ter sido preterido para o STF (Supremo Tribunal Federal). Não que fosse o nome dos sonhos dessa ala de pastores, mas ao menos é evangélico.
Quem entrou na corte, em compensação, foi um nome que Lula chegou a definir, em tom de galhofa, seu indicado, Flávio Dino, como um “comunista do bem”. Usou a palavra maldita para vários evangélicos, que associam comunismo a valores anticristãos.
Reverter a rejeição dos evangélicos é um caminho pedregoso, mas não sem volta, segundo os pastores que a reportagem escutou, à exceção de Malafaia. Alguns só toparam falar em anonimato por entenderem que, agora, o pedágio ideológico em apoiar Lula nas igrejas é mais alto do que no passado.
Eles até são favoráveis a abrir canais de diálogo com o governo, evocando tanto princípios religiosos (uma passagem bíblica ordena que todos orem pelas autoridades da vez) quanto táticos. Bater de frente com o Executivo, afinal, pode ser um tiro no pé para interesses evangélicos, que não se limitam à agenda moral. Basta lembrar das questões tributárias que envolvem isenções variadas para templos.
O que uns chamam de fisiologismo histórico desse grupo cristão, outros preferem definir como uma conduta conciliadora e pragmática.