LIÇÕES DE UM PRÉDIO HISTÓRICO Por Rui Leitao
LIÇÕES DE UM PRÉDIO HISTÓRICO Por Rui Leitao
Ao longo dos meus 75 anos de vida, estive várias vezes no Rio de Janeiro. Vi suas avenidas movimentadas, ouvi seus sotaques inconfundíveis, atravessei suas paisagens misturadas entre mar e concreto. Mas, curiosamente, nunca me senti tentado a conhecer uma de suas mais emblemáticas atrações turísticas. Talvez porque minhas idas à cidade maravilhosa tivessem sempre um propósito muito claro: trabalho. Chegava com a agenda cheia e saía com a cabeça ainda mais cheia.
Foi apenas agora, em julho, que decidi quebrar esse ciclo. Acompanhado de minha esposa, Nadja Claudino — professora de História e escritora — fiz uma viagem com outro espírito: o do lazer com olhos atentos à cultura.
Deixei a escolha do roteiro por conta dela, e não me arrependi. Como era de se esperar, nosso itinerário foi guiado pela história da antiga capital do Brasil. Visitamos museus, praças, igrejas e edifícios que testemunharam a vida política e social do país. Mas um lugar, em especial, mexeu comigo de forma inesperada: o Palácio do Catete.
Hoje transformado em Museu da República, o prédio impressiona à primeira vista com seu estilo neoclássico francês. São 10 mil metros quadrados de história esculpida em pedra e memória: jardins bem cuidados e salões que já abrigaram decisões cruciais.
Construído em 1858 pelo barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, o palácio foi inicialmente uma residência aristocrática. Só mais tarde, em 1897, tornou-se sede do Poder Executivo nacional, quando o vice-presidente Manuel Vitorino assumiu interinamente o governo e ali instalou a presidência — função que o prédio exerceria até 1960, quando Juscelino Kubitschek transferiu a capital para Brasília.
O Catete foi palco de muitos momentos decisivos da República. Mas nenhum mais dramático do que o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Seu quarto permanece preservado, como se o tempo tivesse parado naquela madrugada silenciosa e pesada. A famosa Carta-Testamento, deixada por ele, ainda ecoa no ambiente. Estar ali é como ouvir, de novo, um país inteiro prendendo a respiração.
Há também o outro lado do museu: exposições permanentes e temporárias, mobiliário original, objetos que viram a história acontecer de dentro para fora, e uma programação cultural viva, que mantém o local como centro pulsante da memória nacional.
Machado de Assis, com sua costumeira precisão, já previa em Esaú e Jacó a aura que envolveria o Palácio. Escreveu ele:
“Ao passar pelo Palácio Nova Friburgo, levantou os olhos para ele com o desejo do costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever os altos destinos que o palácio viria a ter na República… Santos não tinha a imaginação da posteridade. Via o presente e suas maravilhas.”
Pois bem, eu também não tive essa “imaginação da posteridade”. Deixei que o presente, por muitos anos, obscurecesse o valor de visitar aquele lugar. Mas agora, enfim, posso dizer que me redimi de um antigo pecado: o de nunca ter procurado conhecer o Palácio do Catete.
Foi mais do que uma visita. Foi um reencontro com a história, com a cidade, comigo mesmo. Ali, onde o poder já teve endereço fixo, senti o passado conversar com o presente — e tive a certeza de que a memória é, também, uma forma de redenção.
www,reporteriedoferreira.com.br /Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor



