Acuado, Bolsonaro tenta posar de vítima e clama, nas ruas, por anistia
Nonato Guedes
Na manifestação política que comandou, ontem, na Avenida Paulista, em São Paulo, e que juntou público considerável, o acuado ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou engajamento em articulações para a deflagração de um golpe de Estado no país como represália por ter sido derrotado nas urnas em 2022 quando pleiteava a reeleição e fez um apelo ao Congresso Nacional para que aprove uma anistia aos seus apoiadores processados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal por participar dos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023 em Brasília. Na prática, o ex-mandatário invocou a alegada solidariedade aos seus seguidores para legislar em causa própria, ou seja, defender um projeto de lei que pode beneficiá-lo, diante das acusações que lhe são imputadas e do risco de decretação da sua prisão. Último a discursar em cima de um trio elétrico, Bolsonaro pediu anistia para “pobres coitados que estão presos em Brasília”.
Chegou a ser dramático quando declarou: “Não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Queremos a conciliação!”. Lembrou que, no passado, foi anistiado quem cometeu barbaridade no Brasil, numa referência explícita à Lei da Anistia que beneficiou militares e civis ligados aos governos militares e opositores. Organizações da sociedade civil vêm demandando uma revisão da legislação que, atualmente, é utilizada para proteger torturadores e assassinos que cometeram crimes contra a humanidade no período da ditadura que vigorou de 1964 a 1985. O colunista do UOL Leonardo Sakamoto lembra que a Corte Interamericana dos Direitos Humanos já condenou o Brasil por conta da Lei da Anistia, declarando que ela deveria ser invalidada, o que não foi acatado pelo Supremo Tribunal Federal. “Jair defendeu a prisão apenas para “quem depredou patrimônio público”, como se atentar contra a democracia não fosse muito mais custoso para uma nação. Em todo o caso, o tom do discurso de Bolsonaro, ontem, foi cauteloso até demais em comparação com a fala de Sete de Setembro de 2022 quando chamou o ministro Alexandre de Moraes, relator, hoje, dos atos golpistas no STF de “canalha”.
O colunista Leonardo Sakamoto ironizou, com rara felicidade, a postura adotada ontem por Bolsonaro, contrastando com seu figurino habitual de incendiário: “Sob a justificativa de “pacificar” o país, ele tenta convencer a turma que faltou às aulas de História que o melhor é um arranjo para não puni-lo pelos crimes que cometeu”. O malabarismo do ex-presidente não ofuscou o grande receio que o persegue – o de ir parar no xilindró, pela conivência com atos golpistas que buscavam a erosão do edifício constitucional brasileiro e a implantação de uma ditadura atípica no Brasil. Em sua defesa, tenta argumentar que não decretou o estado de defesa ou o estado de sítio, o que poderia ser inquinado em seu desfavor. Na conceituação que buscou transmitir aos seus seguidores, que atenderam o chamamento, golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração, é arregimentação de classes políticas e empresariais. “Nada disso foi feito no Brasil”. Em seguida, emendou: “Agora, o golpe é porque teve uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha santa paciência!”. O ex-presidente revelou, ainda, que está sendo perseguido desde antes da eleição de 2018.
Mencionou os inquéritos em curso contra ele na esfera do Supremo Tribunal Federal, asseverando que “a perseguição” aumentou quando ele perdeu as eleições presidenciais e deixou o cargo de chefe do Executivo. Foi quando recorreu, mais uma vez, a recursos de prestidigitação para sensibilizar os apoiadores a não arredarem pé da sua defesa e, sobretudo, a não permitir que ele venha a ser preso para responder por atos ilegais e inconstitucionais de que é acusado e sobre os quais ficou em silêncio, por orientação dos próprios advogados, no depoimento que iria oferecer à Polícia Federal na semana passada, no bojo do inquérito que já ouviu inúmeros outros arrolados, alguns dos quais ex-interlocutores próximos de Jair Bolsonaro, que ocuparam posições de destaque ou estratégicas no Planalto no período em que ele esteve presidente da República. “O povo brasileiro não merece estar vivendo esse momento, onde tão poucos, pouquíssimos, causam tanto mal a todos nós. Nós ainda podemos fazer muito pela pátria”, apelou Jair Bolsonaro, seguindo o “script” que lhe foi recomendado para não desencadear um confronto maior com a manifestação convocada para a Avenida Paulista.
Apesar de toda a mobilização ensaiada, ontem, e de toda a mistificação produzida no palanque armado, a Operação deflagrada pela Polícia Federal no início de fevereiro, segue seu curso normal, com os desdobramentos anunciados, incluindo a possibilidade de prisão do ex-presidente da República. Essa operação atingiu em cheio a extrema direita, conforme analistas políticos da mídia do Sul do país, ao focalizar na cena do crime o ex-presidente Bolsonaro, o seu entorno de militares e outras figuras importantes do seu governo, todos enredados na construção de uma trama golpista para tentar mantê-lo no poder e ignorar o resultado eleitoral de 2022 que apontou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ex-ministros importantes como os generais Braga Neto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira são apontados como artífices de manobras golpistas. Pelo menos 16 militares estão sob a mira da Polícia Federal por participação ou envolvimento na articulação do fracassado golpe de Estado que teve repercussão internacional negativa para o país.