O governo Bolsonaro matou nosso porteiro; Por Ruth de Aquino
Adriano, 49 anos, contava os dias para se vacinar. No dia tão aguardado, semana passada, acordou mal e tomou injeção contra dor. O teste deu positivo para Covid. Foi internado e estava consciente, com máscara de oxigênio. Intubado na segunda, morreu na terça, com trombose pulmonar. O coração parou e os médicos não conseguiram reanimar o chefe dos porteiros que vivia rindo e morava com a família no prédio do Leblon desde a virada do século.
Se Adriano fosse inglês, francês, português, italiano, espanhol, alemão, americano, provavelmente estaria vivo e não teria deixado uma família repentinamente órfã, sem teto e sem chão. Em todos os países que investiram a tempo na compra de vacinas de diversos fabricantes, os cidadãos de 49 anos já foram há muito imunizados com as duas doses ou com a dose única da Janssen. O Brasil não é pobre. Tem o segundo Congresso mais caro do mundo.
Mas Bolsonaro sempre foi contra vacinas. Contra máscaras. Contra a vida. Faz propaganda de remédios ineficazes. Propaga o vírus. Desinforma. Fez uma bagunça colossal no Ministério da Saúde. Menospreza o luto. Mesmo beneficiado por observar antes a catástrofe no mundo, o Brasil de Bolsonaro não se preparou para evitar a carnificina. Ao contrário.
A omissão fez o total de mortos explodir em 2021. É aterrador, leia e releia: em 2020, morreram 195 mil brasileiros de Covid. Nos primeiros seis meses deste ano, até ontem, morreram mais 323 mil. Esse número deveria ser suficiente para aprovar o impeachment do presidente. A cada um minuto e meio, dois brasileiros ainda morrem de Covid.
O governo Bolsonaro matou nosso porteiro-chefe. Adriano perdeu a corrida contra o tempo. No dia em que se vacinaria, começou a última semana de sua vida. Paraibano, casado com Rosa, pai de Yasmin, 25 anos, e de Pedro, 16, tricolor doente, José Adriano da Silva sabia mais servir do que chefiar. Era prestativo demais da conta.
Era de Araçagi, uma cidade no Agreste com 18 mil habitantes. O nome, tupi, vem do Rio dos Araçás, fruto típico da região. A mãe de Adriano morreu no ano passado de Covid. O pai, vivo, está inconsolável, não escondia que Adriano era o preferido dos oito filhos, o que mais lhe dava carinho, o que mais o ajudou na vida, enviando dinheiro todo mês.
A história de Adriano é bem brasileira e era bem-sucedida. Veio para o Rio tentar a vida, foi zelador, faxineiro e subiu a chefe dos porteiros. Aqui conheceu a piauiense Rosa, trazida de Teresina por uma família para trabalhar como babá. O casal tinha pouco mais de 20 anos quando nasceu Yasmin. Moravam no playground. Adriano gostava do Fluminense, de churrasco, cerveja no botequim com os amigos, televisão, missa. Parecia feliz. Tinha diabetes, mas nem sabia.
Rosa e os filhos estão com Covid branda. Ela sabe que não pode chorar muito, tem pressão alta, precisa ser forte. O filho adolescente diz que ela não pode morrer, porque só sobrou a mãe. Rosa quer voltar para a Paraíba porque “aqui em casa tem lembrança forte demais do Adriano”. Ele não volta mais, repete Rosa. O prédio está de luto.
Na terra da família Bolsonaro, do general Pazuello, da médica Nise Yamaguchi, do empresário Wizard, do deputado Ricardo Barros, do diretor Roberto Dias e de tantos outros que colocaram seus interesses à frente da vida, Adriano não é ninguém. Apenas mais um morto numa pandemia que poderia ser muito menos cruel. Não fossem cruéis e inescrupulosos nossos governantes e os congressistas que os apoiam.
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