“EM MEMÓRIA DO CORONEL ULSTRA, O PAVOR DE DILMA ROUSSEFF”: Rui Leitao
“EM MEMÓRIA DO CORONEL ULSTRA, O PAVOR DE DILMA ROUSSEFF”
Acreditem, mas essa foi a frase pronunciada por um ex-presidente da República, à época deputado federal, durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no plenário da Câmara Federal. Para compreender a gravidade dessa manifestação pública, transmitida ao vivo pela televisão para todo o Brasil, é preciso conhecer o personagem da ditadura militar cuja memória foi reverenciada sem qualquer constrangimento. Trata-se de um tema árido, mas que não pode ser relegado ao esquecimento, se quisermos ter a verdadeira noção do que aconteceu nos porões da ditadura.
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, considerado um “herói nacional” por Jair Bolsonaro, foi o cérebro da repressão durante o regime autoritário instaurado a partir do golpe de 1964, que perdurou por 21 anos. Seu espírito cruel e desumano não poupava crianças e se orgulhava de comandar violações contra mulheres. Em razão dessa sua obsessão pela prática da tortura, ficou conhecido como o “senhor da vida e da morte”, por decidir quem iria viver ou morrer. Os métodos por ele aplicados deixavam as vítimas mutiladas, cegas, surdas, estéreis, com danos cerebrais e sequelas psíquicas irreversíveis, quando não morriam. Alguns chegaram ao suicídio para escapar dos suplícios. Queimar partes do corpo com cigarros; arrancar, com alicate, pelos, dentes ou unhas; negar água por dias; amarrar fios de náilon entre os testículos e os dedos dos pés obrigando a vítima a caminhar; aplicar palmatórias; provocar afogamentos e espancamentos eram algumas das técnicas por ele utilizadas.
Ustra cumpria ordens emanadas pelos ditadores, sob a convicção de que era necessário reprimir com violência para afastar da cena política aqueles considerados opositores do governo ou rotulados como “criminosos sociais”. A tortura tornou-se, assim, institucionalizada. O aparato repressivo funcionava como política de Estado. O projeto Brasil: Nunca Mais, desenvolvido pela Arquidiocese de São Paulo, documentou mais de 500 casos de tortura cometidos dentro das dependências do DOI-CODI durante o período em que Ustra foi seu comandante, de 1970 a 1974. A formação do torturador assentava-se sobre bases ideológicas determinadas pelo governo, e suas ações eram justificadas pelo discurso do “estado de guerra interna”.
Os torturadores nunca eram punidos, porque não eram vistos como carrascos, mas como instrumentos dessa política repressiva. Reinava um silêncio intimidado, que impedia denúncias e a exigência de apuração das responsabilidades. O poder estatal, além de protegê-los, ocultava da opinião pública nacional e internacional a brutalidade dos fatos.
Não é admissível que os relatos das sevícias cometidas naquele período sombrio da nossa história sejam relativizados ou, pior, aplaudidos por autoridades que exercem cargos eletivos numa democracia. Discursos negacionistas invertem a lógica da verdade histórica: em vez de denunciar as torturas, exaltam os torturadores, lançando dúvidas sobre o legado de sofrimento e violência que marcou milhares de brasileiros e suas famílias.
www.reporteriedoferreira.com.br Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor



