A ironia da história: um nascimento contra o AI-5; Rui Leitao
A ironia da história: um nascimento contra o AI-5
No dia 13 de dezembro de 1968, enquanto a ditadura militar decretava o assassinato institucional da democracia brasileira por meio do Ato Institucional nº 5, nascia em São Paulo aquele que, décadas depois, se tornaria um dos mais firmes e incômodos defensores do Estado Democrático de Direito: o ministro Alexandre de Moraes. Coincidência? Ou ironia histórica carregada de sentido político?
O AI-5 não foi um simples ato administrativo. Foi a oficialização do arbítrio, a suspensão das garantias constitucionais, a institucionalização da censura, da perseguição política, da tortura e do medo. Foi o Estado brasileiro assumindo, sem disfarces, a face do autoritarismo. Naquele mesmo dia, enquanto a democracia era estrangulada, começava a vida de quem, no presente, enfrenta aqueles que desejam repetir esse passado de sombras.
Seria apenas coincidência que o mais destemido defensor da Constituição tenha nascido exatamente no dia em que ela foi violentada? Ou o destino, esse teimoso organizador da história, resolveu marcar com simbolismo o confronto entre democracia e autoritarismo?
O 13 de dezembro de 1968 reúne dois fatos que se opõem radicalmente em seus significados e consequências. De um lado, um governo ilegítimo concentrava poderes, esmagava o Legislativo, silenciava o Judiciário e instaurava um regime de exceção. De outro, nascia aquele que, décadas depois, teria a coragem institucional de enfrentar golpistas, milicianos digitais, conspiradores fardados ou civis, todos unidos pelo mesmo desprezo à Constituição e à vontade popular expressa nas urnas.
Não é irrelevante que aniversariem na mesma data o AI-5 — símbolo máximo do autoritarismo de Estado — e o nascimento de Alexandre de Moraes. Enquanto o regime militar produzia o período mais cruel da nossa história republicana, emergia, ainda que de forma invisível naquele instante, uma resposta histórica a esse autoritarismo. Nada disso soa como mero acaso.
O protagonismo de Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal, exercido sem submissão a chantagens políticas ou ameaças, transformou-o no principal obstáculo aos que defendem a ruptura institucional. Por isso é atacado, difamado e odiado pelos mesmos setores que relativizam a ditadura, pedem intervenção militar e flertam abertamente com o golpe.
Na mesma data em que golpistas rasgaram a democracia, nasceu quem hoje impede que ela seja novamente enterrada. A história, às vezes, não apenas se repete — ela responde.
www.reporteriedoferreira.com.br/ Rui Leitã advogado, jornalista, poeta, escritor


