Nonato Guedes

Relatada no Senado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a partir da Comissão de Constituição e Justiça, a Proposta de Emenda Constitucional número 3, de 2022, que ficou conhecida como PEC das Praias, deve ficar paralisada no Senado pelos próximos meses diante da repercussão negativa e do debate polarizado sobre o tema. A avaliação dos líderes partidários é que a proposta precisa ser mais amadurecida e debatida. A possibilidade de fazer uma sessão de debates no plenário a respeito tem sido cogitada, a fim de esclarecer pontos que causaram discussão nas redes sociais. Um requerimento de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO) solicitando a sessão, ainda sem data definida, foi aprovado na última semana. O assunto tomou as redes sociais, depois de uma audiência pública na Casa Alta a respeito da PEC, revela o “Metrópoles”.

As versões dão conta, também, de que a chamada “bolha bolsonarista”, formada por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro, que costuma mobilizar-se nas redes sociais, especializada em “fake news” acabou sendo furada no debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional, atribuindo-se ao “clã” do ex-mandatário interesses econômicos especulativos, em aliança com celebridades como Neymar. O senador-relator da matéria e filho de Jair, teve que vir a público negar que esteja propondo a privatização de trechos de acesso ao mar para favorecer vantagens imobiliárias de grupos. Originalmente, a proposta foi apresentada na Câmara dos Deputados por Arnaldo Jordy, representante do Pará e filiado ao Cidadania, mas ganhou dimensão a partir do Senado com o envolvimento de Flávio Bolsonaro e dos seus seguidores. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) havia dito, na semana passada, que não havia pressa em torno do assunto e que ele deveria ser objeto de uma discussão mais profunda com a própria sociedade.

A atriz Luana Piovani se manifestou contra a matéria e criticou o jogador de futebol Neymar pela parceria com uma incorporadora para a construção de empreendimentos de luxo na costa brasileira. O atleta respondeu à provocação e a polêmica engrossou no território das redes sociais. Se promulgada, a PEC revogaria um trecho da Constituição e autorizaria a transferência dos terrenos de marinha, de forma gratuita, para habitações de interesse social e para Estados e municípios. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que é contrário ao texto relatado pelo senador Flávio Bolsonaro, porque, na visão do governo, a proposta pode ocasionar dificuldades de acesso da população às praias, já que a PEC favorece a especulação imobiliária e o interesse de um conjunto de empreendimentos costeiros que podem se estender até essas áreas. Flávio declarou ao “Metrópoles” que a proposta não vai cercear o acesso da população comum às praias brasileiras. “As praias são de domínio público, de uso comum de todos os brasileiros e vão continuar sendo sempre”, amenizou, admitindo, porém, que fará alterações no texto.

A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2022 e para ser aprovada no Senado tem de passar pela CCJ e garantir 49 votos favoráveis no plenário da Casa. Além disso, por ser uma mudança constitucional, Câmara e Senado precisam chegar a um entendimento sobre o texto. Somente depois disso é que o tema pode ser promulgado pelo presidente do Congresso Nacional. Os terrenos de marinha estão previstos no decreto-lei 9.760, de 1946. Eles estão localizados entre a linha imaginária da média das marés e 33 metros para o interior do continente. A presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, deputada federal Gleisi Hoffmann, afirmou que a PEC da privatização das praias é um dos projetos mais absurdos em tramitação no Congresso Nacional. “A verdade é uma só: essa PEC estimula a ocupação desordenada do litoral, ameaça a biodiversidade costeira e tira o lazer do povo, além de tornar esses lugares mais vulneráveis às tragédias ambientais”, salientou. Gleisi ressalta que a PEC recebeu parecer favorável do senador Flávio “porque o bolsonarismo é assim: trabalha para os ricos ficarem mais ricos, muitos deles que nem moram no Brasil”.

Uma pesquisa pública realizada pelo Senado Federal sobre a Proposta de Emenda à Constituição revela que 98,6% dos brasileiros são contra ao projeto. Especialistas ouvidos pelo jornal “O Globo” cravaram que a PEC das Praias vai na contramão da legislação de países desenvolvidos, como Estados Unidos, Portugal e outros, ao propor a flexibilização de construções em áreas costeiras, ainda que não trate do acesso ao mar ou areia. Hoje, a União detém 17% do valor dos terrenos e imóveis construídos numa faixa de 33 metros a partir do litoral e recebe taxas como foro e laudêmio dos proprietários. A proposta, que prevê a transferência integral dos chamados terrenos de marinha aos atuais ocupantes, difere da postura de nações pelo mundo que optam por destacar a orla como um bem público e democrático.