CPF nas farmácias: Passar ou não? Por que eles pedem? Desconto é real?
O consumidor precisa ficar atento, pois os estabelecimentos podem estar enganando tanto quanto ao preço, quanto à privacidade
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Ao efetuar compras em uma farmácia, é comum ser perguntado pelo CPF para acessar descontos exclusivos no preço final dos medicamentou ou benefícios extras no estabelecimento. Entretanto, essa prática aparentemente benéfica e inofensiva pode esconder riscos para o consumidor.
Em 2021, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por fiscalizar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), divulgou uma nota técnica sobre o tratamento de dados pessoais no setor farmacêutico.
Desde 2020, a ANPD vem monitorando de perto como os dados pessoais são tratados nas farmácias, em resposta a denúncias de titulares. Após estudos realizados pela Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa (CGTP), concluiu-se que algumas práticas ainda não estão em conformidade com a legislação vigente, ou seja, seus dados estão sendo repassados.
Isso inclui o envio de dados pessoais para finalidades não informadas aos titulares e a suspeita de coleta excessiva de informações, incluindo dados sensíveis, sem transparência sobre seu tratamento. Entre as possibilidades está o envio de informações de saúde do consumidor para empresas de planos de saúde.
Por exemplo, se uma pessoa costuma comprar sempre remédio para alguma doença específica, a farmácia guarda essa informação, que é valiosa na hora de contratar um plano de saúde.
A inclusão do Cadastro de Pessoa Física no sistema desses estabelecimentos tem a finalidade parente de vinculá-lo aos programas de fidelidade oferecidos por eles.
A apresentação do CPF possibilita ao cliente acumular pontos, proporcionando descontos em futuras aquisições. Além disso, o CPF é uma ferramenta crucial para evitar possíveis fraudes e para controlar a venda de medicamentos controlados. Essa prática visa garantir a segurança tanto do estabelecimento quanto do próprio consumidor.
Por vezes, o consumidor está levando “gato por lebre”. Isso porque a prática de inflar preços antes de oferecer descontos é comum no comércio, especialmente em períodos de promoção, como a Black Friday. Nesses momentos, empresas aumentam os preços dos produtos antes da data do desconto, criando a ilusão de uma vantagem maior para o consumidor.
Para ilustrar, uma reportagem do UOL mencionou o caso de uma caixa de um anti-inflamatório genérico (Nimesulida), que, sem desconto, custaria R$ 31,78, mas com a apresentação do CPF o preço caía para R$ 8,50, representando um desconto de 73%. No entanto, a matéria observou que o preço inicial de R$ 31,78 não reflete o valor real do medicamento, que é substancialmente mais baixo. No Brasil, o preço dos remédios é regulado pela Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos (CMED), vinculada à Anvisa, e o valor apresentado pelas farmácias corresponde ao preço máximo autorizado pela agência.
Além de afetar negativamente a reputação das empresas, essa prática é considerada crime conforme o artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ela prejudica os consumidores ao distorcer informações sobre os preços reais dos produtos, violando seus direitos e a transparência nas relações de consumo.
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), dados pessoais referem-se a qualquer informação relacionada a uma pessoa identificada ou identificável. Isso significa que, ao discutirmos a proteção da privacidade, não devemos nos limitar apenas ao número do CPF ou ao nome completo do usuário, mas também incluir informações como gênero, religião, hábitos e outros que possam facilitar a identificação da pessoa.
Com base nesse princípio, a LGPD estabelece diretrizes sobre a coleta e o armazenamento de dados de brasileiros e de pessoas presentes no território nacional, seja por meios virtuais ou convencionais. A obtenção desses dados deve sempre ocorrer com o consentimento do usuário, exceto em casos de mandados judiciais ou para garantir a segurança pública e investigações criminais.
Além disso, a lei determina que dados sensíveis, como origem racial, convicção religiosa, opinião política, orientação sexual, estado de saúde, entre outros, sejam considerados restritos. Isso significa que tais informações não podem ser utilizadas para propósitos discriminatórios e devem ser protegidas de forma especial. Por exemplo, dados médicos não podem ser explorados para fins comerciais sem a autorização expressa do usuário.
Imagine a seguinte situação: o conglomerado que gerencia seu plano de saúde adquire os dados da rede de farmácias que você frequenta nos últimos dez anos. Ao analisar essas informações, eles identificam que sua saúde tem apresentado sinais de fragilidade, indicando uma possível futura necessidade de utilização do plano. O resultado? Você é categorizado como “grupo de risco” e sofre um acréscimo no valor do seu plano.
Outra perspectiva preocupante surge para quem não possui um plano de saúde. Empresas do setor podem recusar ou dificultar a contratação com base no histórico de compra de medicamentos, visando evitar assegurar pacientes que representem mais custos do que lucros.
A prática de solicitar o CPF nas farmácias não passou despercebida pelo Ministério Público, que iniciou investigações no Distrito Federal e em Minas Gerais. Há suspeitas de venda ilegal de dados dos clientes, podendo comprometer a privacidade dos consumidores em um mercado paralelo.
No Distrito Federal, a investigação abrangeu a oferta de descontos vinculada à coleta de CPF, levantando a suspeita de que as farmácias estariam comercializando os dados dos clientes. Em Minas Gerais, o Ministério Público aplicou uma multa expressiva de quase R$ 8 milhões a uma rede de drogarias. Posteriormente, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que estabeleceu a obrigatoriedade de programas de fidelidade com opção de participação voluntária para a coleta do CPF, encerrando a prática de solicitar o documento em todas as compras.
A legislação atual, especialmente o Código de Defesa do Consumidor, destaca que o cadastro de dados pessoais e de consumo só deve ser efetuado mediante solicitação expressa do cliente ou se comunicado por escrito. “Programas de fidelidade” são permitidos, desde que não diferenciem clientes com base na informação do CPF, sem que façam parte do programa. Isso configura uma prática abusiva, indo de encontro ao dever de informação previsto no CDC.
Diante dessa realidade, os consumidores têm duas opções práticas. A primeira é recusar-se a fornecer o CPF em qualquer compra. Essa prática não é obrigatória, e qualquer estranhamento recebido é o máximo que se pode esperar. Para aqueles que desejam obter descontos, a segunda alternativa é se cadastrar em programas de fidelidade locais, escolhendo a opção de não compartilhar seus dados. Esses direitos podem e devem ser exercidos pelos consumidores.
Enquanto leis mais rígidas que proíbam a coleta indiscriminada de dados não entrarem em vigor, empresas do ramo farmacêutico continuarão a contornar as previsões consumeristas em busca de lucros, especialmente quando as punições atuais se limitam a acordos de ajuste de conduta ou notificações inofensivas. O valor dos dados, especialmente vinculados à saúde, permanece sendo uma moeda valiosa em um cenário global cada vez mais conectado.
Diante dos riscos e implicações apresentados, a decisão de fornecer ou não o CPF nas farmácias é uma questão de cautela e, acima de tudo, consciência individual. Embora ofereça a possibilidade de descontos e benefícios, é crucial considerar os potenciais impactos na privacidade e nas finanças pessoais. No fim o barato pode sair caro.
As investigações em curso demonstram a preocupação das autoridades em relação à segurança dos dados dos consumidores nesse contexto. Portanto, cabe aos indivíduos avaliar cuidadosamente os benefícios e os riscos envolvidos antes de decidir compartilhar suas informações pessoais.
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O desconto é real?
O que diz a LGPD?
Planos de saúde mais caros
Afinal, passar o CPF ou não?