A CARTA AOS BRASILEIROS DE 1977 Por Rui Leitao
Publicado no jornal A UNIÃO edição de hoje
A CARTA AOS BRASILEIROS DE 1977
No ano de 1977 o Brasil continuava assistindo toda sorte de arbitrariedades cometidas pela ditadura militar que se instalou em 1964. Violações aos direitos eram a marca de um governo autoritário e discricionário. Tentavam silenciar a Nação. Quem se insurgisse era impiedosamente punido pelo sistema. Estávamos submetidos a uma ordem política imposta pela força de um governo absolutista. O desrespeito à dignidade soberana dos cidadãos tornava-se prática do Estado. Aparelhos repressivos atuavam no sentido de evitar contestações ou ações políticas de oposição ao regime.
Porém, as reações começaram corajosamente a surgir. No mês de abril os estudantes das “Arcadas do Largo de São Francisco”, como era conhecida a Faculdade de Direito da Universidade São Paulo (Fadusp), promoveram o enterro da Constituição, num pequeno caixão branco, ao som de uma marcha fúnebre, com faixas que diziam: “Faleceu a Constituição, Pelo Estado de Direito e Pela Constituinte”. Foi um dos primeiros atos de protesto contra as agressões à Carta Magna e pela volta do Estado de Direito. O Jornal do Brasil divulgou o acontecimento, com a seguinte manchete: “Estudantes paulistas ao som de Chopin sepultam a Constituição”.
O professor Goffredo Telles Jr., naquela noite histórica, pronunciou um vibrante discurso, onde podemos destacar algumas das suas colocações: “Nós queremos a ordem. Para nós, a ordem é a ordem do Estado de Direito. É a ordem jurídica, a ordem do respeito pelos direitos do cidadão, e pela liberdade sagrada das pessoas. Para nós, a ordem da Ditadura se chama desordem.”� “A Constituição é obra do povo. Não toleramos que a Constituição seja agredida por Atos de Governos de Força.”� “Para nós, Ditadura se chama Ditadura; Democracia se chama Democracia”.� “Da sementeira deste Território Livre, do manancial de nossa eterna Academia, nasce o brado de um povo, pela Liberdade, pelo Direito, pela Justiça.”
Por ocasião das manifestações do Primeiro de Maio, o país foi impactado pelas notícias de espancamentos e prisões de estudantes e operários. Em resposta a essas manifestações de violência por parte do governo, oitenta mil universitários paulistas entraram em greve, exigindo a imediata libertação dos presos, a extinção das torturas nas prisões e a anistia para os condenados políticos, gerando um movimento de indignação, revolta e solidariedade entre os mais diversos segmentos representativos da sociedade civil organizada.
Na madrugada do dia 04 de junho, tropas de choque da Polícia Militar ocuparam a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, para impedir que ali se realizasse o III Encontro Nacional de Estudantes. Prenderam e revistaram todos os que se faziam presentes ao evento, conduzindo-os, com as mãos erguidas sobre a cabeça, para o quartel do Batalhão da Polícia Militar.
Os acontecimentos do primeiro semestre de 1977 provocaram a emissão de uma nota da Ordem dos Advogados do Brasil, nos seguintes termos: “reafirmamos a imperiosa necessidade de restauração do Estado de Direito e conclamamos os órgãos responsáveis pelo ensino a que se inspirem nos ideais de liberdade e solidariedade humana, devolvendo aos estudantes o direito de pugnar pelo aperfeiçoamento do ensino e de participar da vida pública do País.”�
O contexto histórico do tema requer uma maior abordagem dos fatos e suas consequências. Na coluna do próximo domingo continuaremos tratando da matéria.
Rui Leitão