O Brasil chegou nesta sexta-feira (1º) ao quarto dia consecutivo em um novo patamar da pandemia de Covid-19. Com 6.209 casos e 428 óbitos em 24 horas, o número de pessoas infectadas com o novo coronavírus subiu para 91.589 e o total de mortes já chega a 6.329. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde.
Desde a última terça-feira, o país vem registrando mais de 5.000 casos e mais de 400 mortes diárias ligadas à Covid-19 , tornando-se um dos epicentros da doença no mundo — segundo dados da Universidade Johns Hopkins (EUA), apenas os Estados Unidos têm tido mais novos casos do que o Brasil.
A curva de contágio americana, no entanto, se assemelha a uma montanha-russa, com altos e baixos. Já a brasileira lembra a subida de uma montanha cuja altura do pico ainda é desconhecida, como afirmou o próprio ministro da Saúde, Nelson Teich. Na comparação com o dia 1º de abril, o Brasil registrou 84.753 casos novos e 6.088 mortes em um mês.
De acordo com o balanço divulgado ontem pelo ministério, o aumento no número de novos diagnósticos e óbitos foi de 7% em relação a anteontem. A persistir esse ritmo, o Brasil pode superar a casa dos 100 mil casos da doença no domingo.
“Toda previsão sobre o futuro é difícil, mas todo mundo que é especialista em modelos vê que o Brasil é a nova fronteira. Nas próximas semanas, os dois principais países em que haverá um crescimento acelerado de casos serão Estados Unidos e Brasil. O resto do mundo está desacelerando, crescendo muito pouco”, afirma Mauro Schechter, professor-titular de infectologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele atribui o cenário atual à queda da adesão ao distanciamento social, que fez com que o país registrasse a mais alta taxa de contágio entre 48 nações analisadas pelo Imperial College de Londres. Por aqui, cada dez pessoas infectadas contaminam outras 28; estas contaminam outras 78, e assim sucessivame nte, multiplicando-se sempre à razão de 2,8.
“O que está acontecendo agora provavelmente é reflexo do relaxamento que aconteceu semanas atrás, já que é preciso ter uma massa crítica transmitindo para outras pessoas até ser notado (no registro de novos casos)”, ressalta.
Novas ondas
Doutora em epidemiologia da Fiocruz, Ana Luisa Gomes também crê que o país pode se tornar o novo polo da Covid-19, mas pondera que a Europa, que está na descendente de novos contágios, está começando a sair da quarentena agora, e que essa reabertura pode fazer a onda ressurgir.
“A tendência da doença é essa, começa a ser um pico em um país e ir diminuindo no outro. Como a América Latina foi um dos últimos lugares a receber a Covid-19, é natural que a gente se torne um epicentro, o que é diferente de ser o país com maior incidência. Epicentro é, naquele momento, onde tem a maior disseminação da doença, e, portanto, de onde ela pode sair para outros lugares. Por isso o Trump está apreensivo com a questão dos voos. A transmissão comunitária aqui está muito alta, e as pessoas que saírem do Brasil para lá podem levar a doença a várias regiões que já a controlaram”, disse.
Gomes se refere à menção feita pelo presidente norte-americano de suspender voos do Brasil para os Estados Unidos, algo que ainda não foi confirmado oficialmente pela Casa Branca. Donald Trump afirmou anteontem que o avanço da Covid-19 pôs o Brasil em uma situação “difícil”.
“No Brasil o número de casos é muito, muito alto. Se você olhar os gráficos quase todos apontam para o alto”, disse Trump. Nos EUA, o número de casos já passou de 1 milhão, e o de mortes, de 60 mil.
Rio passa de 10 mil casos
Ana Luisa Gomes, da Fiocruz, afirma que o agravamento da epidemia no Brasil já era esperado: “pelo sistema Infogripe, que avalia os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), já conseguíamos ver que a situação do Brasil está grave há algum tempo e tende a se agravar. Temos também uma subnotificação muito alta. Além disso, nosso país é um continente e tem situações muito regionalizadas, mas várias regiões do país já estão colapsando. Só não se fala que colapsou oficialmente no Rio porque é uma coisa politicamente difícil de ser dita”.
Os dados divulgados ontem pelo Ministério da Saúde mostram que os cinco estados com o maior número de casos confirmados são também os que têm mais mortes: SP (30.374 casos, 2.511 mortes), RJ (10.166, 921), CE (7.879, 505), PE (7.334, 603) e AM (5.723, 476).
Para Mauro Schechter, a única solução é manter a política de isolamento daqueles que podem ser isolados: “como não há vacina nem um tratamento eficaz, a única maneira de prevenir transmissão é o isolamento social. Não há outra forma. Todos os países que conseguiram controlar o fizeram utilizando soluções clássicas de controle de epidemias : evitar transmissão, diagnosticar precocemente e fazer o rastreamento de contatos”.