Europa não consegue se defender sozinha, diz chefe da Otan

Secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg — Foto: Yves Herman/REUTERS

por Igor Gielow

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou na quarta (14) que a União Europeia não tem condições de defender o continente em que ficam seus 27 integrantes. “Oitenta por cento do gasto militar da Otan vêm de seus membros que não pertencem à União Europeia”, afirmou.

O norueguês teve de recorrer a essa obviedade numérica para qualificar o debate iniciado pela ameaça feita por Donald Trump à aliança militar comandada na prática pelos Estados Unidos desde sua criação, em 1949.

No sábado (10), Trump relembrou uma suposta conversa que teria tido com um líder europeu enquanto presidia os EUA (2017-2021). Sugeriu que os EUA não iriam defender o país se ele estivesse “inadimplente” com a Otan e, adicionando infâmia à injúria, disse que estimularia a Rússia a atacá-lo.

A frase causou forte reação na Europa, onde chefes de Estado e de governo passaram a semana alertando para os riscos da eventual volta do republicano ao poder —ele disputa com grandes chances a eleição presidencial com Joe Biden em novembro.

Em todas as críticas europeias aparecia o componente da necessidade de aumentar o gasto militar do continente e a lembrança de que isso vem ocorrendo desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.

Aí entra o truísmo de Stoltenberg. Os EUA, maior potência da história do planeta em termos de capacidade militar, respondem sozinhos por 70% do dispêndio em defesa entre os 31 membros da aliança. Os 10% restantes citados pelo secretário-geral vêm do Canadá e dos sete outros países europeus do grupo que não integram a UE, incluindo os importantes Reino Unido, Turquia e Noruega.

Em sua fala, Trump simplificou as coisas de forma malandra. Não há como um país ficar inadimplente junto à Otan, que não é um banco ou loja de crediário. O que existe é uma meta estipulada em 2006 pelos seus integrantes, que prometeram chegar a 2% de seu PIB gastos em defesa.

E isso, de fato, é um problema. Em 2014, quando Putin anexou a Crimeia numa antecipação do que aconteceria oito anos depois, apenas três países da Otan cumpriam o acordado. Quando foi presidente, Trump denunciou isso repetidamente, tanto que seu descaso com a aliança fez o já líder francês Emmanuel Macron dizer que o grupo estava em “morte cerebral”.

Aos poucos a situação evoluiu, com uma aceleração nos gastos quando a Rússia foi às vias de fato contra Kiev. Em 2023, 11 países já ultrapassavam a barreira dos 2%, alguns prometendo gastar até 4%, como a belicosa Polônia.

Nesta quarta, Stoltenberg reafirmou que neste ano 18 membros chegarão à meta e, mais importante, que a Otan como um todo a alcançará na média de seus orçamentos de defesa nacionais. Em 2023, estava em 1,85% do PIB combinado dos 31 países.

Mais importante, pela primeira vez a Alemanha, país mais rico da Europa, deverá chegar aos 2%. Berlim sempre foi um alvo preferencial de Trump, que também apontava para a dependência energética que o país tinha da Rússia, mitigada após as sanções decorrentes da guerra.

Os EUA puxaram o movimento e aprovaram no ano passado seu maior orçamento militar da história, de US$ 905 bilhões, ou 41% de tudo o que mundo aplicou no setor em 2023, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres).

Em seu balanço anual, divulgado na terça (13), a organização apontou um dispêndio de 3,36% do PIB em defesa pelos americanos. O número difere um pouco do que disse a Otan, de 3,49%, por questões metodológicas e pelo fato de que os dados da aliança são estimativas. Seja como for, o cenário desenhado é o mesmo.

Stoltenberg também buscou rebater a ameaça de Trump de não cumprir o artigo 5 da carta de fundação da Otan, que prevê assistência mútua em caso de agressão a um de seus membros. “Os EUA nunca lutaram uma guerra sozinhos. A crítica que ouvimos não é sobre a Otan, é sobre aliados não gastando o suficiente com a Otan”, afirmou.

Nisso, ele e o ex-presidente concordam. O chefe da Otan pediu também que a Câmara dos Representantes dos EUA aprove a ajuda militar de R$ 300 bilhões à Ucrânia, que passou no Senado nesta semana. Mas lá os republicanos de Trump são maioria e prometem dificultar as coisas para Biden.

De seu lado, o presidente americano está em campanha aberta pela aprovação, emulando o mantra de que, se a Ucrânia cair, Putin não irá parar nela. A tese ganhou reforço com as colocações ambíguas do russo dadas em entrevista ao aliado de Trump Tucker Carlson na semana passada. Putin nega interesse em territórios da Otan, acerca das áreas ocupadas por poloneses e lituanos.

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