INÁCIO DA CATINGUEIRA – O POETA ESCRAVO; Rui Leitao

Publicado no jornal A UNIÃO edição de ontem

INÁCIO DA CATINGUEIRA – O POETA ESCRAVO

Filho de pai desconhecido, o escravo Inácio não tinha sobrenome. Ganhou fama com esse nome, por ter nascido no município de Catingueira, no sertão da Paraíba, em 31 de julho de 1845. Era cantador e repentista, apesar de analfabeto. Considerado, inclusive, um dos fundadores da literatura negra brasileira, a partir da sua poesia oral. Não se tem notícia se chegou a ser alforriado. Era um negro de cabelos corridos, usava um pequeno cavanhaque e um bigodinho, o que fazia com que muitos dissessem que ele era filho de um homem branco que morava na região. Seu canto era acompanhado por um pandeiro, enfeitado com um laço de fita, guizos de prata de dois mil réis e tampo de couro cru.

Existe uma farta literatura em que o consagra como o maior de todos os cantadores do Nordeste. Mas quem, na verdade, resgatou a sua história foi o rapper e cantor Emicida, na canção “Inácio da Catingueira”, em 2018, onde explora o tema do preconceito e racismo presentes na sociedade brasileira. Na letra da música, ele diz: “Eles vão fazer de tudo para que você reaja/Se você responder a um palavrão com outro palavrão/Eles só vão ouvir o seu/Ouse responder a um soco com outro/Eles vão dizer ó lá, o neguinho perdeu a cabeça/Eu disse que ele não servia para isso/O inimigo e seus lacaios vêm com tudo, joga sujo/E você não pode simplesmente reagir com a mesma baixeza”. Destaca, então, a existência de Inácio da Catingueira e a relação entre o rap e o repente. Emicida procurou enfatizar as provocações que Inácio da Catingueira teria sofrido por seus opositores na cantoria, onde era tentado fazer com que perdesse a paciência e se mostrasse um negro desrespeitoso e agressivo.

Em 1874, ocorreu em Patos o episódio que ficou conhecido como “a peleja histórica”, quando Inácio da Catingueira enfrentou aquele que era apontado como um dos maiores repentistas da época, Romano da Mãe d`Àgua ou Romano Caluete, como também era chamado. Seu contendor procurava se apresentar como um homem branco e intelectualmente superior. Numa das versões desse “duelo de titãs”, teria ocorrido o seguinte embate oral: “Negro, me trate melhor/Que estamos em meio de gente/Queira Deus você não saia/Da sala com couro quente”. E foi assim rebatido por Inácio da Catingueira: “Meu branco, dou-lhe um conselho/Espero o senhor tomar/Se tire desse sentido/Se arrede desse pensar/Juro com todos os dedos/Que um homem só não me dá”. Há quem diga que essa peleja teria durado oito dias. Inácio da Catingueira enfrentou, não só o cansaço, mas o risco de enfrentar as represálias de Romano da Mãe d`Água, um escravista, ou do seu público, sem se intimidar, tendo a seu favor apenas os versos e a afirmação de sua identidade.

Faleceu aos trinta e oito anos de idade, vítima de uma pneumonia. Ao invés de ser sepultado na fazenda, como de praxe faziam com os escravos, seu corpo repousa em uma praça, no centro da cidade em que nasceu, tendo uma estátua no local em sua homenagem. Graciliano Ramos assim se referiu a Inácio da Catingueira: Durante a cantoria, ele derrotava verbalmente o inimigo com “ironia”, com uma “deliciosa malícia negra”. Inácio da Catingueira era herdeiro de uma tradição dos negros contadores de historias, os bantos, que tanto influenciou o ritmo e poesia brasileira.

www.reporteriedoferreira.com.br    Rui Leitão-advogado,jornalista,poeta ,escritor




O POETA CAIXA DÁGUA Por Rui Leitao 

Publicado no jornal A UNIÃO

O POETA CAIXA DÁGUA Por Rui Leitao

Manoel José de Lima ficou conhecido na história da cidade, como o poeta Caixa Dágua. Nasceu no município de Cruz do Espírito Santo, em 05 de janeiro de 1934. Chegou em João Pessoa aos 13 anos de idade, onde aprendeu a ler e escrever, havendo concluido o curso ginasial. Era pai de três filhas, do seu casamento com Maria de Lúcia Oliveira. Ainda criança, quando da morte de sua mãe, escreveu seu primeiro poema “Caminho Perdido”, em que continha os versos: “Se as noites envelhecessem./ Se meus olhos cegassem./ Se os fantasmas dançassem em blocos de neve./ Para que ensinassem./ O caminho por donde eu caminhei./ A cidade sem porta./ As ruas brancas de minha infância que eu não volto mais. Se minha mãe se abruma/se o mar geme,/ e se os mortos não voltam mais”. Perguntado sobre o sentido do verbo “abrumar”, respondeu: “É coisa de mãe. Eu vou lá saber coisa de mãe?”.

Era um notívago. A partir das 19 horas, quando saía de casa, cumpria um roteiro que se iniciava com a leitura de jornais em uma das tradicionais bancas de revistas, localizada no Parque Solon de Lucena. Na sequência percorria os ambientes da boemia pessoense considerados pontos de encontro dos intelectuais, artistas e políticos da terra. Trazia consigo sempre uma pasta preta com os livros que conseguia publicar, patrocinados por amigos, onde os vendia com a oferta de dedicatórias. Nunca abandonava o terno branco, afirmando, inclusive, que apenas ele, o usineiro Renato Ribeiro Coutinho e Virginius da Gama e Melo, se vestiam de forma igual. Falava isso com certo sentimento de orgulho. Num dos retornos para sua residência, que ficava no alto da Ladeira da Borborema, próxima à Catedral, tropeçando nas pernas em razão do seu estado etílico, inspirou-se para produzir uma de suas pérolas literárias: “Ladeira da Borborema/eu subo em tu/mas tu não sobe neu”. ´

Quando Gilberto Gil esteve em João Pessoa para a apresentação do show “Refavela”, em 1977, foi apresentado ao poeta Caixa Dágua, o que motivou o famoso cantor baiano a declarar no palco do Teatro Santa Rosa: “Os homens mais populares do Brasil são Geisel, Caixa Dágua e Gilberto Gil”. A plateia entrou em delírio.

Autor de 15 livros, em depoimento prestado ao Correio das Artes, em 2004, quando o jornal A União lhe dedicou uma homenagem especial, revelou que: “Primeiro, escrevo tudo à mão, depois passo a limpo”. Editou sua primeira obra aos 18 anos. O paraibano Walter Carvalho, no documentário “A Memória e a Cidade”, entrevistou algumas personalidades que considerava importantes expressões locais, dentre elas Caixa Dágua, por considerá-lo o continuador da poesia de Zé Limeira, o poeta do absurdo. Era amigo do então Governador Ernany Sátiro, com quem sempre procurava conversar sobre literatura e política. Exibia vaidoso, em todo lugar, a carteira de colaborador da API – Associação Paraibana de Imprensa.

Na Praça Aristides Lobo, ao lado do prédio do antigo Grupo Tomaz Mindello, foi erigida uma estátua em tamanho natural, esculpida em concreto pelos artistas plásticos Domingos Sávio e Mirabeau Menezes, em que a Prefeitura Municipal de João Pessoa o homenageou, um ano depois do seu falecimento, ocorrido em 27 de março de 2006, vítima de insuficiência respiratória. Não era um erudito, mas se transformou num dos grandes poetas populares da Paraíba, enfrentando as dificuldades da vida com dignidade. Tornou-se, sem qualquer dúvida, símbolo da boemia de uma cidade que começa a fugir da memória coletiva. Não podemos esquecê-lo.

www.reporteriedoferreira.com.br     Rui Leitão ,Jornalista, advogado, poeta, escritor




AGRADECIMENTOS PELO APOIO:  Escrito Por Gilvan de Brito

AGRADECIMENTOS PELO APOIO:  Escrito Por Gilvan de Brito

 

Diante da informação de que decidi participar das eleições para uma cadeira da Academia Paraibana de Letras (APL), quero agradecer aos amigos e simpatizantes da minha escrita os apoios manifestados neste facebook nos últimos dias. Entre eles Eilzo Matos (membro da APL), Eitel Santiago, Walter Santos, Irapuan Sobral, Políbio Alves, Tião Lucena, Dida Fialho, Ivaldo Gomes, Edivaldo Teixeira de Carvalho, Glicério Maia, Rayssa Carneiro, Felix Di Láscio, Chico Lino Filho, Fátima Gaudêncio, Azulmi Limeira, Cristiane Oliveira, Cleudimar Ferreira, Djanete Oliveira, Carlos Gláucio de Farias, Carlos Rolim, Bruno Steimbach Silva e Sérgio Botelho, até anoite de ontem.

Meu amigo Irapuan Sobral, além do irrestrito apoio, escreveu um comentário para justificá-lo. Ei-lo:

‘Ad imortalitatem’

“Conheço Gil (Gilvan de Brito), com essa mesma fleugma que carrrega, há quase cinco décadas. E o conheci no Ponto de Cem Réis disputando doutas conversas abastecidas a café. Gil já era o ‘standard’ que permanece altivo e ativo à leitura dos que privam de sua amizade, desde as colunas dos jornais onde trabalhou. Naquela universidade popular (o pulmão da capital da Paraíba), estavam os grandes pautando o debate e, confesso, as minhas leituras. Depois, eu soube que Gil era parceiro musical de Livardo em nada menos que ‘Tá caindo água na bica’. Um frevo que foi sucesso, em todo o Brasil, em um carnaval no começo dos anos 70.

Aproximamo-nos tanto que me encarreguei (como reforço de feira) de vender um álbum duplo de Músicas da Paraíba, que Gil produziu numa época de extrema dificuldade para tamanha empreitada. A amizade com Gil, Livardo, Cleidson Tejo, Baú Calça Velha e Gonzaga entrou para o meu currículo – ainda que à revelia deles. Eram os tempos da opinião com conhecimento.

A convivência com Gil revelou, para além do jornalista do cotidiano e do compositor laureado em festivais (como Vale da Feira, com Zé Wagner), um estudioso meticuloso que se meteu em ensaios para desvendar, por exemplo, a itacoatiara do Ingá, puxando fios das estrelas e conexões com monumentos do mundo todo. Ultimamente, para não ser exaustivo e permitir que a curiosidade do leitor persiga as afirmações com a crítica particular, eu vi dele um trabalho sobre os anos da ditadura na Paraíba e outro sobre o acidente que ocorreu na Lagoa, parque central da capital, nos anos 70.

No teatro, eu vi o esforço dele para propor um manual de estruturação de peças, mas, e principalmente, algumas peças como ‘O anjo torto’, reencenando a vida de uma figura folclórica da Paraíba. Gil é pessoense da Torre. A Torre é um bairro misterioso na capital da Paraíba. É possível dizer que é o coração da cidade, porque de lá pulsam os rios arteriais que vão irrigar de cultura todos os locais. Essa origem ‘torrelândia’ inscreve Gil como um arguto observador da geografia e da antropologia do lugar. Não há um lapso de cena que não o remeta à memória ou a uma causa. Eu soube, pelo próprio, no perfil do Facebook, do seu interesse em tomar assento na confraria da academia de letras do estado. Não há espaço a contraditar o seu merecimento. Aliás, com o perdão dos acadêmicos: esse merecimento é recíproco. As academias são corporações que se notabilizam pelas escolhas que fazem, mas, também, pelas rejeições. Borges ironizou a ‘tradição nórdica’ de rejeitá-lo, dizendo que não confiaria numa academia que o tivesse por membro, mas, ao final de tudo, confessou que morreria feliz com a láurea.

A pretensão manifestada por Gil é, no dizer de uma linguagem de julgador: Procedente. Creio até que, se a academia fizesse a escolha sem a manifesta vontade do letrado, escolheria Gil. Entretanto, é exigida uma inscrição para validar a escolha: o que alguns fazem. O ato torna competitiva a imortalidade. Não sei se haverá disputa, nem se a academia toparia dispensar-se da presença de Gil, entre seus membros.”

www.reporteriedoferreira.com.br   Por Gilvan de Brito- Jornalista, advogado e escritor.