O HOMEM-MASSA E A CULTURA DA CORROSÃO DEMOCRÁTICA Por Rui Leitao

O HOMEM-MASSA E A CULTURA DA CORROSÃO DEMOCRÁTICA Por Rui Leitao

Quando o filósofo espanhol José Ortega y Gasset publicou, em 1930, a coletânea de artigos intitulada A Rebelião das Massas, já demonstrava sua preocupação com a ascensão do que conceituou como “homem-massa” no final do século XIX e início do século XX. Esse personagem, dizia ele, agia “como irracional, medíocre, avesso ao estudo e à sabedoria, incorporando a derrota do saber e do bem-comum e a sede cega dos fascismos”.

O “homem-massa” tende a apoiar causas populistas e agressivas, depositando seu voto em favor de outsiders que fazem questão de demonstrar pouco se importar com o bem-estar social. Constrói uma ideia política centrada nos próprios interesses e, por isso, não se constrange em partilhar notícias falsas, acreditando contribuir para destruir um sistema político que eventualmente não o satisfaça. Elege como líderes figuras desprovidas de valores éticos e morais, algumas incapazes até de se expressar com clareza, que fazem discursos em desrespeito às leis e às instituições.

Ortega previu que esse comportamento caminharia em direção ao caos social, corroendo os fundamentos da cultura e da vida em coletividade. O homem-massa age como um robô, inautêntico, incapaz de dirigir a própria existência. Busca ser idêntico aos que fazem parte de sua “bolha ideológica”, rejeitando a classe social da qual realmente faz parte. Torna-se, assim, um homem vulgar.

Guiado por lideranças nas quais deposita confiança cega, anda ao acaso, ignorando a própria história de vida e movido por estímulos externos impregnados de preconceitos e ódios. Não reconhece limites, desde que atendidos seus desejos. Sem opiniões próprias, repete as dos outros, incapaz de agir criticamente, como um ventríloquo. Com a falta de conhecimento histórico e o baixo nível cultural, assume uma postura de submissão voluntária, perdendo a individualidade e aceitando ser manobrado como parte de um rebanho.

Ortega afirma que o homem-massa se orgulha “do direito de não ter razão, a razão da não-razão, que dá as costas aos valores da tradição liberal e introduz na vida pública um estilo de ação baseado sobre a sistemática agressão e cancelamento do outro, sobre idolatria do chefe carismático e sobre o estatismo totalitário”. Em síntese, é um antidemocrata.

O mais grave é o risco de termos uma sociedade de prioridades invertidas, relegando o conhecimento e a verdade a plano secundário e abandonando os valores morais como norte de uma vida em coletividade. Hoje, nas redes sociais, encontramos muitos exemplos desse personagem: pessoas que odeiam a tranquilidade e a meditação, que necessitam fugir de si mesmas, sensíveis à propaganda e dependentes de colunistas ou influenciadores que pensam por elas.

Aí está o grande perigo do protagonismo social do homem-massa: querer impor opiniões sobre qualquer questão da vida pública, mesmo permanecendo cego e surdo ao mundo real, vulnerável a influências nefastas. Se não quisermos sucumbir ao império do homem-massa, é preciso reafirmar a centralidade do conhecimento, da ética e da responsabilidade cidadã como valores inegociáveis da vida democrática.

www.reporteriedoferreira.com.br   Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor




Povo ou Massa? Por Rui Leitao

Povo ou Massa?

Nem sempre percebemos a diferença entre “ser massa” e “ser povo”. A massa é anônima, manipulável, vulnerável. O povo tem identidade, consciência de sua cidadania. A massa costuma obedecer sem questionar, não tem domínio de suas vontades, fica na espera de quem a conduza. O povo reage, protesta, não se submete ao arbítrio, ao simples poder de mando. O povo raciocina, a massa não.

Há uma manifestação do Papa Pio XII que distingue bem o que seja massa e o que seja povo: “O povo vive e se move com vida própria – A massa é por si mesma inerte, e não pode receber movimento senão de fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais em seu próprio posto e à sua maneira, é pessoa consciente de suas próprias responsabilidades e suas próprias convicções. A massa pelo contrário espera impulso de fora”.

Na massa não existe ideal de liberdade e igualdade. Se torna joguete fácil nas mãos de exploradores. Por isso, se torna inimiga da democracia. Age movida por instintos e impressões, nunca por avaliações críticas da realidade. Os indivíduos que compõem a massa não têm a preocupação em alcançar a autonomia no pensar e no agir. São facilmente influenciados pelos demagogos e propagandistas.

Não falta razão, portanto, para que os marqueteiros sejam os profissionais mais importantes numa eleição. Porque são especialistas em persuadir, manobrar, elaborar uma opinião pública que atenda suas ambições. A massa é presa das emoções, dos medos, da acomodação, dos sectários, onde as opiniões se perdem na ilusão de que deve prevalecer o pensamento de uma falsa maioria estrategicamente construída.

O povo é uma concepção unitária. Tomás de Aquino afirmava que: “povo não é qualquer reunião de homens de qualquer modo, mas é a reunião de uma multidão ao redor do consenso do direito e dos interesses comuns”. O povo é formado por cidadãos ativos, com visão própria do seu país e de suas necessidades. O povo consegue distinguir o que seja política e o que seja politicagem. Rejeita o fisiologismo, a unilateralidade, a parcialidade, a má fé, o suborno e o tráfico de influência. Muitas das decisões são tomadas, no entanto, por impulso comportamental das massas, descomprometidas com a verdade, com a justiça social, com a integridade, com a governabilidade e o bem estar social. O povo, então, se torna refém de um projeto político distante dos seus interesses, fazendo triunfar a vontade de uma massa conduzida por agentes externos, e só algum tempo depois, percebe que “deu um tiro no pé”.

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