A TRAGÉDIA DA LAGOA :
Escrito Por Gilvan de Brito
Fui testemunha, no dia 24 de agosto de 1975, de uma das maiores tragédias que se abateram sobre a cidade de João Pessoa. Presenciei o naufrágio de um barco colocado pelo Exército, sem a segurança necessária do equipamento de salva-vidas, para circular nas águas da Lagoa do parque Solon de Lucena, durante uma semana. O barco – uma chata de transporte de material do Exército, nos rios – conduzia algo em torno de 60 pessoas de cada vez, num passeio para alegrar as crianças, com duração de 10 minutos, em comemoração da Semana do Soldado. Na última volta, num domingo às 17:10, grande número de crianças correu para ocupar uma vaga, provocando uma superlotação de aproximadamente 200 pessoas. O comandante da chata, um soldado do Exército, relutou durante alguns minutos para dar partida, mas terminou cedendo aos apelos das crianças e de alguns de seus pais, e tomou o caminho, no sentido horário. Partiu da localidade onde se inicia a avenida Getúlio Vargas (que por ironia do destino suicidara-se num dia 24 de agosto de 1954, como aquele, no Rio de Janeiro).
O barco saiu remoendo com o excessivo peso, passou perto do Cassino da Lagoa e seguiu, a uma distância de dez metros da orla. Quando se aproximava da rua Padre Meira, justamente onde se localizava o escoadouro subterrâneo de águas, destinadas ao Sanhauá (local mais profundo), começou a afundar,
lentamente. Corri e peguei meu carro, dirigi-me com urgência à rádio Tabajara, que funcionava onde hoje é o Forum, à rua da Palmeira, subi os degraus pulando de dois em dois, entrei na cabine e constatei que a emissora estava transmitindo o jogo de Campinense e C.S.A de Alagoas, diretamente de Campina Grande. Pedi a Geraldo Cavalcante para passar o som e dirigi-me diretamente ao Corpo de Bombeiros solicitando sua presença na Lagoa para salvar dezenas de pessoas que se afogavam após o naufrágio do barco, Os soldados, que ouviam o jogo (não existia celular) correram para uma camionete onde colocaram pequenos barcos movidos à motor e rumaram para a Lagoa.
Chegaram em 4 minutos (Bombeiros tinham a sede à rua Maciel Pinheiro, a 3 k do local do sinistro). Resultado, salvaram entre 80 a cem pessoas, retiradas das águas turvas da Lagoa. Ainda assim, morreram 35 antes de sua chegada (28 crianças e 6 adultos). Anos após resolvi contar a história num livro intitulado “Opus Diaboli” (depois de 33 anos), que foi premiado e publicado pela Funjope. Sobre este livro, o poeta e escritor Lau Siqueira, produziu um belíssimo comentário, destacando com a sua conhecida verve, aspectos da tragédia contadas na publicação:
“GILVAN DE BRITO E SUA OPUS DIABOLI”
Texto publicado no Jornal da Paraíba em 21.10.12
Por Lau Siqueira
“As tragédias cumprem um papel determinante no destino dos povos. Na Paraíba nunca foi diferente. Afinal, foi uma tragédia que determinou o nome atual da capital João Pessoa. Alguns acontecimentos vão se distanciando, caminhando para o esquecimento, mas, jamais ficarão impunes diante da história. Os fatos ocorridos do dia 24 de agosto de 1975 (em comemoração ao Dia do Soldado) na Lagoa do Parque Solon de Lucena exigiam um relato de fôlego há 36 anos. Foram trinta e cinco mortos. Entre os quais vinte e nove crianças. No triste cenário, uma embarcação do Exército Brasileiro que afundou nas águas da nossa Lagoa. O livro “Opus Diaboli – A Lagoa e outras tragédias”, do jornalista e escritor paraibano Gilvan de Brito busca mover o moinho do tempo com esta e outras águas passadas.
Os militares que governavam o país com mão de ferro foram os protagonistas desta tragédia anunciada. A irresponsabilidade esteve no comando do triste espetáculo. Mais de cento e cinquenta pessoas equilibravam-se numa embarcação com capacidade para pouco mais de sessenta pessoas sentadas. Gilvan de Brito estava lá quando tudo aconteceu e até fez a cobertura jornalística. Com sua larga experiência de redação e reconhecido talento de escritor e dramaturgo, soube como ninguém registrar neste livro um fato que se tornou inesquecível para os pessoenses.
Em “Opus Diaboli – A Lagoa e outras tragédias” Gilvan estabeleceu um marco simbólico. Apenas este resgate já teria um imenso valor histórico e literário. Todavia, o espírito inquieto e investigativo do autor foi buscar a demarcação de outras tristezas. O primeiro registro foi em 1501, quando Américo Vespúcio narrou a antropofagia cometida pelos índios de Baía da Traição contra três marinheiros. A chacina dos 600 habitantes de Tracunhaém pelos índios potiguaras também faz parte de uma coletânea de fatos que sangraram a história desta Paraíba velha de guerra.
Publicado com recursos do Fundo Municipal de Cultura – FMC, o livro de Gilvan é marcado por um diálogo denso entre a percepção aguda do repórter e a magia criadora do escritor. É desta forma que o pulsar da história nos arrasta página por página. Como bem diz o jornalista Jackson Bandeira no posfácio da obra, “sem este livro estaria faltando alguma coisa na historiografia paraibana”. Essa capacidade de conjugar o melhor jornalismo com o talento literário reafirma o escritor de Opus Diaboli na galeria dos autores paraibanos imprescindíveis. Aqueles que traduzem a pulsação das ruas e as razões do que nem sempre interessa como notícia. Até mesmo a agonia dos que perderam entes queridos naquela tarde sorumbática foi lembrada neste relâmpago da memória. Enfim, um livro que vale a pena ser lido.”
www.reporteriedoferreira.com.br Por Gilvan de Brito, Jornalista, Advogado e Escritor.