UM FANTASMA QUE INSISTE EM VOLTAR Por Rui Leitão

UM FANTASMA QUE INSISTE EM VOLTAR

Por Rui Leitão

A revolução em Cuba, em 1959, acendeu um alerta permanente nos Estados Unidos. A partir de então, qualquer movimentação de esquerda na América Latina passou a ser vista como ameaça direta à segurança hemisférica. O Brasil, com um presidente que defendia reformas de base e dialogava com setores populares, rapidamente entrou no radar da Casa Branca.

Poucos dias antes do golpe militar de 1964, o coordenador da Aliança para o Progresso, Thomas C. Mann, convocou uma reunião com representantes do governo americano ligados à América Latina. Desse encontro surgiu a chamada Doutrina Mann, um documento que estabelecia o apoio dos EUA a qualquer governo latino-americano que fosse declaradamente anticomunista, independentemente de ser democrático ou ditatorial.

Durante a década de 1960, diversos países da América Latina que possuíam líderes com alguma aproximação com Moscou enfrentaram golpes militares. O Brasil seguiu essa rota. Prisões arbitrárias, repressão violenta e assassinatos políticos marcaram a nova ordem. Era o reflexo da chamada Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética disputavam influência global por meio de alianças, propaganda e intervenções diretas.

No caso brasileiro, havia a expectativa de que a crise política se aprofundasse, o que levou os EUA a planejarem uma operação militar de apoio ao golpe. No entanto, os generais brasileiros agiram com rapidez e removeram Goulart do poder antes que o plano precisasse ser executado.

Criada por John F. Kennedy em 1961, a Aliança para o Progresso pretendia ser um instrumento de desenvolvimento social, mas foi utilizada para barrar o avanço de governos considerados progressistas. No Brasil, foi fundado o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), responsável por produzir e difundir conteúdo anticomunista em rádios, televisões e jornais.

Em 1963, uma Comissão Parlamentar de Inquérito comprovou que o IBAD financiou campanhas eleitorais com recursos provenientes de empresas norte-americanas. As verbas eram destinadas a candidatos contrários às reformas de base defendidas por Goulart. Após a apuração, o presidente suspendeu as atividades do instituto, que acabou sendo dissolvido pela Justiça no final daquele ano.

Documentos revelaram mais tarde a gravação de uma conversa entre o presidente Kennedy e o embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, em outubro de 1963. Na conversa, Kennedy perguntava se seria aconselhável uma intervenção militar no país. Gordon sugeria a articulação de forças políticas e militares capazes de conter ou afastar João Goulart da presidência.

Mesmo após o assassinato de Kennedy, seu sucessor, Lyndon Johnson, deu sequência à política de intervenção. Gordon conseguiu convencê-lo a preparar uma força-tarefa militar para entrar em ação caso houvesse resistência popular ao golpe. Os militares brasileiros agiram antes, sem necessidade de apoio direto.

Décadas depois, durante o governo de Donald Trump, os ecos dessa política intervencionista ressurgiram. Tentativas de interferência em processos internos de países latino-americanos voltaram à tona, inclusive no Brasil. A paranoia anticomunista permanece como justificativa para desestabilizar governos considerados progressistas, revelando que a luta por soberania e autodeterminação na América Latina ainda não terminou.

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O PERFIL DA BURGUESIA BRASILEIRA Por Rui Leitao 

O PERFIL DA BURGUESIA BRASILEIRA Por Rui Leitao

Os interesses de classe da burguesia brasileira, bem como seus vínculos com o capital internacional, não se coadunam com qualquer concepção de justiça social em nosso país. Ela sempre atuou no sentido de instrumentalizar o Estado contra os trabalhadores. O mais grave é que se apoderou dos principais meios de comunicação, transformando-os em uma espécie de quarto poder: o poder midiático.

Cresceu e ganhou força na década de 1930, apoiada pelas oligarquias dissidentes. A partir dos anos 1950, associada à burguesia monopolista estrangeira — em razão das mudanças no sistema capitalista mundial —, estabeleceu sua própria dominação sob a tutela do novo Estado latifundiário.

Manifesta-se na economia por meio da ação dos latifundiários, do empresariado e do mercado financeiro, todos a serviço do capital estrangeiro. Herdou uma ideologia marcada pelo conservadorismo das antigas classes dominantes. Submissa ao mercado externo, demonstra pouco ou nenhum interesse no desenvolvimento do mercado interno, pois teme ser marginalizada do sistema imperialista ao qual está vinculada. A burguesia brasileira obedece fielmente às orientações do mercado capitalista neoliberal e, por consequência, causa prejuízos aos trabalhadores ao propor políticas que visam à redução dos direitos sociais.

É preciso aprender com os erros históricos que levaram o movimento operário a formar frentes políticas com esse setor. Essa aproximação jamais viabilizou reformas que, de fato, trouxessem benefícios aos trabalhadores. Não há como deixar de reconhecer que a burguesia nacional é, em essência, a detentora do capital. Por isso, é ilusório imaginar que qualquer aliança com a burguesia possa resultar em vantagens reais para as camadas mais pobres da nação.

Para melhor compreensão da história, da economia e da política em nosso país, é fundamental conhecer o perfil da burguesia brasileira, com suas contradições e desafios. Os grupos que a compõem são os autores intelectuais das políticas econômicas implementadas pelos governos ao longo da nossa história, por serem os responsáveis pela maior parte da produção e da distribuição de bens e serviços no Brasil.

No campo político, a fina flor do PIB nacional age nas sombras, demonstrando, estrategicamente, uma aparente tolerância a governos de esquerda — enquanto não consegue impor maior relevância na estrutura de poder —, tentando golpear a democracia. Basta observar as tragédias históricas que vivenciamos: o golpe de 1964, a deposição da presidente Dilma Rousseff em 2016 e a tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito liderada pelo ex-presidente da República, após sua derrota nas urnas, em 2022.

O mais preocupante é que tudo isso ocorreu com a passividade das camadas mais pobres da população. Portanto, é necessário manter, sempre aceso, o sinal de alerta, para que não sejamos novamente surpreendidos por eventos que atentem contra a democracia.

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A ESCOLA DAS AMÉRICAS Por Rui Leitão

A ESCOLA DAS AMÉRICAS

Por Rui Leitão

A Escola das Américas foi fundada em 1946, no Panamá, quando se iniciava a Guerra Fria, com o objetivo de formar militares da América Latina e do Caribe segundo a doutrina de segurança nacional norte-americana. Ela se dedicava a aplicar métodos de contrainformação, interrogatórios com tortura e execução sumária, guerra psicológica, inteligência militar e ações de contrainsurgência. Tornou-se símbolo da aliança entre a Casa Branca e os governos ditatoriais da América Latina, treinando figuras notórias pela violação de direitos humanos, como os ditadores panamenhos Manuel Noriega e Omar Torrijos, os argentinos Leopoldo Galtieri e Roberto Viola, o peruano Juan Velasco Alvarado, o equatoriano Guillermo Rodríguez e o boliviano Banzer Suárez.

Todos os países latino-americanos enviaram militares para a Escola das Américas em algum momento. O livro Tortura Nunca Mais, escrito por Dom Paulo Evaristo Arns, identifica que entre seus ex-alunos estiveram 21 soldados e oficiais brasileiros acusados de tortura durante o período ditatorial. Dentre eles, o general Hélio Lima Ibiapina, denunciado pelo líder comunista Gregório Bezerra, e o militar João Paulo Moreira Burnier, acusado pelo ex-preso político Alex Polari de Alverga de ter torturado e matado o estudante Stuart Edgar Angel Jones.

Os militares que iam à Escola das Américas incorporavam doutrinas de promoção da violência sem contestação. Lá, alguns militares brasileiros tiveram aulas teóricas e práticas sobre tortura, que mais tarde seriam aplicadas no Brasil. Os EUA investiam pesado em armar e treinar os militares brasileiros, por considerarem essa assistência, estratégica para manter a proximidade com os ditadores. O general Ernesto Geisel, chegou a defender a tortura, afirmando: “Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticá-la, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior”.

O Brasil era visto como o grande balizador da América do Sul, sendo compreendido pelos Estados Unidos como país cuja política tinha força determinante para o resto do continente. Para aquela escola foram enviados brasileiros com o propósito de aprenderem a produzir repressão, promovendo a chamada contrainsurgência, especialmente no combate ao comunismo. O Exército brasileiro, durante os 21 anos de ditadura militar, sofreu forte influência da Escola das Américas, com seus integrantes sendo treinados para confrontos contra grupos identificados como de esquerda. A Escola das Américas, na verdade, ensinava técnicas destrutivas dos valores democráticos, cujos manuais propunham tortura, chantagem, encarceramento de inocentes e espionagem contra civis e partidos de oposição. Oficiais e soldados de países latino-americanos eram ensinados a subverter a verdade, silenciar sindicalistas, militantes do clero e jornalistas, subjugando as vozes dissidentes e movendo guerra contra o próprio povo.

A Escola foi reestruturada em 2001, após forte pressão de grupos ligados à defesa dos direitos humanos, passando a se chamar Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança, com sede na Geórgia, adotando uma postura mais voltada para o respeito aos direitos humanos.




A FUGA COMO COVARDIA POLÍTICA; Rui Leitão

A FUGA COMO COVARDIA POLÍTICA

Rui Leitão

O momento político nacional tem nos levado a refletir sobre o comportamento da fuga. A primeira impressão é de que o fugitivo, ou a fugitiva, busca evitar ou escapar de um perigo iminente, ainda que isso possa ter um impacto negativo. Em qualquer situação, trata-se sempre de uma maneira de se esquivar de uma ameaça percebida, configurando-se como uma estratégia de defesa.

Quando a fuga ocorre por medo, apresenta-se como um ato de covardia. É a decisão de abandonar o enfrentamento dos obstáculos que estão por vir. Evidencia-se, assim, a falta de coragem, no reconhecimento de que os problemas são maiores do que a possibilidade de enfrentá-los. Portanto, é importante observar o motivo da fuga e as circunstâncias em que ela ocorre.

A fuga, ao revelar um estado emocional provocado pela consciência do perigo, gerando grande inquietação em relação a algo desagradável, aponta para a característica da covardia. Denota a incapacidade de superar algo moralmente árduo. A psiquiatria relaciona as características da pessoa covarde a duas formas de agir: tendência a evitar confrontos ou situações desafiadoras e uso de desculpas para não assumir responsabilidades.

Temos visto políticos fugirem do país ao se verem confrontados com a legalidade democrática, amparados numa narrativa de “perseguição política”, embora as evidências que os envolvem sejam robustas e fartamente documentadas, denunciando-os como “golpistas”. Procuram palco no exterior para colocar em prática uma campanha que objetiva constranger a justiça brasileira em fóruns internacionais. É um modus operandi que deseja demonstrar coragem para atacar a democracia e covardia para encarar a justiça.

A democracia brasileira tem respondido com firmeza àqueles que insistem em tentar destruí-la. E isso amedronta os covardes que decidem abandonar o país e, lá fora, mobilizar redes estrangeiras para deslegitimar a soberania nacional, tentando transformar a covardia em ato heróico perante seus eleitores.




SOU A FAVOR DA DEMOCRACIA; Rui Leitão

SOU A FAVOR DA DEMOCRACIA

Rui Leitão

Se perguntarem qual é a minha posição ideológica na atual conjuntura política nacional, direi, sem titubear: sou um democrata.
Mas, um democrata de esquerda ou de direita? Eu acrescentaria: um democrata mais alinhado às ideias da esquerda. O que não quer dizer que não reconheça a existência da direita democrática. Porém, sem o olhar vesgo da política contemporânea em nosso país, que fomenta uma visão da conjuntura nacional completamente distorcida, cheia de intolerâncias e sem limites.

Nelson Rodrigues já nos ensinava que “toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Portanto, tento me afastar da ideologia cega, contaminada por paixões que deixam as pessoas tão obcecadas quanto aquelas sob o efeito de drogas. Isso nos leva a refletir como é possível alguém, possuidor de embasamento moral e intelectual, abraçar personagens políticos comprovadamente envolvidos em todo tipo de desmando, mistificando deuses enlameados, beatificando criminosos, misturando fanatismo religioso com polarização política.

O radicalismo, tanto de esquerda quanto de direita, é responsável pela destruição das bases de nossa sociedade. Ser de esquerda ou de direita é um direito básico de cidadania, desde que se compartilhem pensamentos, ainda que divergentes. John Kennedy já dizia: “É muito mais fácil ficar com o conforto da opinião do que com o desconforto da reflexão”.

Afinal, o ideal igualitário deve estar acima das questões de ordem moral, cultural, patriótica e religiosa. A ditadura militar que vivenciamos no século passado fez com que o termo “esquerda” passasse a simbolizar a luta pelos direitos populares e dos trabalhadores, enquanto a “direita” tornou-se sinônimo de conservadorismo e elitismo. Na política brasileira tradicional, a conceituação de esquerda e direita é usada para definir e enquadrar adversários políticos dentro de um espectro.

Os extremistas, tanto da direita quanto da esquerda, assumem uma posição paranoica generalizada, antecipando qualquer discordância, ainda que sem fundamentações racionais. Estigmatizam o diferente como sendo inimigo. Em síntese, sou um democrata que renega todo movimento político que busca realizar projetos totalitários, seja de direita, seja de esquerda. É fácil perceber que os extremos se encontram num ponto comum: na exacerbação da ação e na posição antidemocrática e totalitária.

Sou, pois, um democrata de esquerda, defendendo que todos tenham as mesmas oportunidades de influenciar as decisões políticas tomadas no país, independentemente de gênero, posição social, raça ou outros fatores. Entendo que só teremos democracia — traduzida em liberdade e garantia de direitos — se tivermos instituições fortes. Nossa democracia esteve ameaçada recentemente, mas foi preservada graças à ação imprescindível do Supremo Tribunal Federal para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Quero conviver numa sociedade onde esses estigmas ideológicos não confundam a lógica do pensar livremente, respeitando as discordâncias e caminhando junto aos que renegam as ditaduras, tanto de direita quanto de esquerda.

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A TORTURA POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA; Rui Leitao

A TORTURA POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA

Sabemos que a tortura em nosso país não é só praticada por motivações políticas,como aconteceu em período recente da nossa história. Hoje ela é aplicada aos pobres em geral, aos excluídos, nas delegacias de polícia, presídios e hospícios, numa injustificada relação entre pobreza e criminalidade, compreendida pela sociedade elitista brasileira, desrespeitando os direitos constitucionais garantidos ao ser humano. A tortura ao longo de todo século XX foi utilizada contra os que eram identificados como perigosos sociais. A nossa história colonial registra esses suplícios impostos aos negros escravos e aos índios,

Porém, ao tempo em que o Brasik viveu regimes totalitários, com o sistema político se colocando como um Estado punitivo, a tortura se acentuou como ação persecutória contra grupos minoritários ou movimentos sociais que se posicionavam em campo de oposição ao governo. Durante os regimes ditatoriais da Era Vargas e após o golpe militar de 1964, a tortura tornou-se um dos mecanismos de repressão contra as pessoas consideradas subversivas, utilizados pelos agentes de Estado, sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional, como parte da estratégia de manutenção do poder.

O regime militar instaurado em 1964 institucionalizou no país os métodos de violência física e psicológica. Os que se opunham ao sistema, dentre eles estudantes, intelectuais e engajados políticos, foram vítimas de inúmeras atrocidades. Não bastavam apenas os martírios ao corpo dos torturados, eram produzidas torturas psicológicas, imprimindo às vítimas destruição moral pela ruptura dos limites emocionais. Crianças eram obrigadas a assistir seus pais sendo torturados. Esposas se viam forçadas a incriminar seus maridos. Mulheres grávidas abortavam, por conseqüência dos suplícios a que eram submetidas. Em muitos casos, a tortura causava mortes, que procuravam disfarçar como suicídios. Corpos de torturados desapareciam após o assassinato.

Em 1979 a Lei da Anistia perdoou os torturadores que atuaram nas instituições de segurança nacional. Só a partir da Constituição de 1988 a tortura passou a ser considerada crime hediondo, não sendo permitida a sua anistia desde então. Nunca tivemos uma justiça de transição acabada. É inadmissível esse ato desumano, não só por conta da sua proibição pela Constituição, mas porque é a negação do ético, um ataque à dignidade e à liberdade do ser humano. É por definição médico-legal, um meio cruel de prática criminosa, causando padecimento à vítima, por livre deliberação do torturador. Entretanto, sistematicamente, as denúncias de torturas nunca eram consignadas aos autos das ações penais. Quando o faziam era de forma superficial, simplificada, demonstrando conivência com o comportamento criminoso dos órgãos de segurança do Estado. Os agentes que praticavam a tortura como forma de castigo, a justificavam como uma necessidade determinada por um “estado de guerra”.

Ao Estado não é delegado o poder de oprimir cidadãos por meio do uso da força. Normalizar discursos de apologia à tortura, exaltando atos violentos praticados por servidores públicos no exercício de suas funções, é algo que não pode mais ser admitido em nossa sociedade. As falas públicas de cunho antidemocrático em favor da tortura, por meio de discursos de ódio e intolerância fomentam essa prática. O Ato Institucional número 5 (AI-5), editado em dezembro de 1968, é considerado o instrumento jurídico mais atentatório às liberdades individuais e aos Direitos Humanos na nossa História.

O dia 26 de junho é datado como o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, instituído pela ONU – Organização das Nações Unidas, em 1997, como forma de convocar a humanidade a refletir sobre a necessidade de ações concretas de combate aos atos de tortura por parte dos órgãos repressivos do Estado. Só assim conseguiremos alcançar uma cultura de paz e justiça.

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Povo ou Massa? Por Rui Leitao

Povo ou Massa?

Nem sempre percebemos a diferença entre “ser massa” e “ser povo”. A massa é anônima, manipulável, vulnerável. O povo tem identidade, consciência de sua cidadania. A massa costuma obedecer sem questionar, não tem domínio de suas vontades, fica na espera de quem a conduza. O povo reage, protesta, não se submete ao arbítrio, ao simples poder de mando. O povo raciocina, a massa não.

Há uma manifestação do Papa Pio XII que distingue bem o que seja massa e o que seja povo: “O povo vive e se move com vida própria – A massa é por si mesma inerte, e não pode receber movimento senão de fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais em seu próprio posto e à sua maneira, é pessoa consciente de suas próprias responsabilidades e suas próprias convicções. A massa pelo contrário espera impulso de fora”.

Na massa não existe ideal de liberdade e igualdade. Se torna joguete fácil nas mãos de exploradores. Por isso, se torna inimiga da democracia. Age movida por instintos e impressões, nunca por avaliações críticas da realidade. Os indivíduos que compõem a massa não têm a preocupação em alcançar a autonomia no pensar e no agir. São facilmente influenciados pelos demagogos e propagandistas.

Não falta razão, portanto, para que os marqueteiros sejam os profissionais mais importantes numa eleição. Porque são especialistas em persuadir, manobrar, elaborar uma opinião pública que atenda suas ambições. A massa é presa das emoções, dos medos, da acomodação, dos sectários, onde as opiniões se perdem na ilusão de que deve prevalecer o pensamento de uma falsa maioria estrategicamente construída.

O povo é uma concepção unitária. Tomás de Aquino afirmava que: “povo não é qualquer reunião de homens de qualquer modo, mas é a reunião de uma multidão ao redor do consenso do direito e dos interesses comuns”. O povo é formado por cidadãos ativos, com visão própria do seu país e de suas necessidades. O povo consegue distinguir o que seja política e o que seja politicagem. Rejeita o fisiologismo, a unilateralidade, a parcialidade, a má fé, o suborno e o tráfico de influência. Muitas das decisões são tomadas, no entanto, por impulso comportamental das massas, descomprometidas com a verdade, com a justiça social, com a integridade, com a governabilidade e o bem estar social. O povo, então, se torna refém de um projeto político distante dos seus interesses, fazendo triunfar a vontade de uma massa conduzida por agentes externos, e só algum tempo depois, percebe que “deu um tiro no pé”.

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A DESPOLITIZAÇÃO: A QUEM INTERESSA? Rui Leitão

A DESPOLITIZAÇÃO: A QUEM INTERESSA?
Rui Leitão

É evidente que a sociedade brasileira vive um processo de despolitização. A pergunta que não quer calar é: a quem isso interessa? Na busca por essa resposta, é importante relembrar a famosa frase do filósofo grego Aristóteles, quando afirmava: “O homem é um animal político”. Segundo ele, a política foi criada para regular os conflitos da pólis, o local onde esta acontecia e era compartilhada. Portanto, fazemos política o tempo todo, por ação ou omissão, consciente ou inconscientemente.

Ora, se não encontramos soluções para os problemas da vida das pessoas, a democracia encontra dificuldades para se manter. Por isso, é preocupante esse fenômeno denominado “despolitização”, que cresce entre a população de nosso país. É indiscutível que esse desinteresse pela política advém dos discursos populistas de lideranças que se apresentam como apolíticas, desestimulando a confiança na classe política, como se elas não fizessem parte desse grupo. O resultado é que conseguimos eleger, pelo sufrágio universal, como nossos representantes, indivíduos com ideologia conservadora, alinhados à extrema direita.

Setores da grande mídia contribuem para essa situação ao procurar colocar todos os políticos numa mesma vala comum: como sendo desonestos e como se os governos existissem apenas para sugar os impostos dos cidadãos de bem. Percebe-se o abandono de projetos políticos justos e moralmente aceitáveis, cuja retórica, apresentada como algo edificante, esconde por trás a permanente luta pelo poder, a ânsia por dinheiro e a corrupção. O atendimento aos interesses econômicos se sobrepõe ao da justiça social, sem qualquer preocupação em saber se o sistema de governo idealizado é aceitável.

Há um método articulado de impedir que se desenvolvam motivos racionais para acreditar na capacidade política de realizar ações voltadas a corresponder aos interesses coletivos. O poder político perde, então, sua legitimidade, por conta da desmotivação alimentada por aqueles que não sabem viver numa democracia. Os governos tornam-se, a partir disso, autoritários e opressivos, resultado da despolitização em massa. Parte da população deixa de reconhecer suas funções perante a República, tornando-se parceira do conluio que contribui para a perpetuação do sistema político que tentam impor. Esses que se dizem apolíticos trabalham no sentido de se tornarem verdadeiras celebridades midiáticas. Prepondera uma cultura da superficialidade na relação entre os cidadãos e seus candidatos, fazendo com que a população se sinta sem vontade de participar da vida democrática do país.

Lamentavelmente, temos testemunhado que, por meio das redes sociais e da mídia, são utilizados mecanismos de distração, com a discussão de assuntos vazios, sem qualquer tipo de benefício para a população, com o propósito de evitar temas políticos. Verifica-se uma perda da qualidade social, política, histórica, cívica e moral da sociedade, porque, estrategicamente, se decidiu fechar espaços para o livre agir entre os homens, de maneira a intervir no rumo da história.

A falta de consciência crítica, em razão do desinteresse pela vida política, ajuda na estratégia de colocar como inimigos os que se dedicam ao exercício da política com boas intenções. Reagir a esse processo de despolitização é um passo para a consolidação da nossa democracia, conquistada com muito esforço, inclusive com grandes movimentos populares para sua efetivação.

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UM SÁBIO RECADO PARA A CONTEMPORANEIDADE; Rui Leitao

UM SÁBIO RECADO PARA A CONTEMPORANEIDADE –

Na História nacional encontramos homens públicos que tinham a capacidade de fazer pronunciamentos que se eternizaram, não perdendo a atualidade, podendo ser ressignificados na contemporaneidade, conforme o contexto político se assemelhe ao que vivenciaram quando se manifestaram. Descobri num dos discursos do nosso conterrâneo José Américo de Almeida uma declaração que se ajusta ao momento político que o país está vivenciando.

“Consciências inquietas profetizam, em vozes tremendas, adventos ruidosos. Atiçam a miséria impotente, as explosões da coragem coletiva, com risco dos choques desiguais. Não percamos a esperança. Poderemos, sem maldições, sem desforras sangrentas, na paz do Senhor, atingir o ideal democrático da inteligência, da cultura, das virtudes públicas, do bom governo que é a melhor propaganda contra as subversões”.

Se estivesse vivo, José Américo poderia repetir essa manifestação crítica na certeza de que o recado teria direcionamento certo, alcançando aqueles que continuam insistindo em criar um ambiente de tensão política, ameaçando o Estado Democrático de Direito. São “consciências inquietas” que pregam a desobediência civil às normativas legais vigentes, incluindo aí os preceitos constitucionais. Comportam-se, por estímulo, como pessoas virulentas, inimigas da paz.

Os enfrentamentos entre divergentes de pensamento ou de ideologias são atiçados, com o objetivo de encorajar os que tiveram as mentes capturadas pela retórica da beligerância, na defesa do indefensável. Não respeitam as diferenças, nem os fatos consumados. Numa postura antidemocrática recusam aceitar o que a maioria determinou numa eleição limpa e incontestável, a escolha do presidente da República.

José Américo aproveita para injetar ânimo nos que se colocam em favor da democracia, exortando-nos a manter acesa a chama da esperança de que um novo tempo se inicia. E que deveremos nos manter calmos, sem entrarmos no jogo das provocações, trabalhando, isso sim, na busca do encontro do congraçamento, pondo fim esse período de conflitos que experimentamos nos anos recentes.

Ele nos ensina que nessas circunstâncias de crises políticas, é preciso que coloquemos a razão acima da emoção. Agirmos com inteligência, vencendo os instintos produzidos pela ignorância cultural e o fanatismo. O bom governo será a melhor maneira de fazer desaparecer qualquer iniciativa de subversão da ordem, na prática de uma gestão voltada para o bem comum, objetivando adotar políticas de justiça social, sem preconceitos, sem transformar eventuais adversários políticos em inimigos.

Todo dia é um novo desafio a vencer. Estejamos prontos para isso, sem medo dos que teimam em ameaçar a nossa democracia, fazendo valer os nossos direitos e respeitando os direitos dos outros. Convictos de que estaremos produzindo mudanças reais para a sociedade, garantindo um Brasil melhor para as futuras gerações.

Saibamos ouvir os sábios e procurar entender o que eles nos ensinam, mesmo que não estejam mais entre nós. Eles nos orientam para onde devemos ir e para onde não devemos voltar. Escutemos então a voz de um sábio. José Américo deixou para nós uma mensagem de entusiasmo para a resistência e continuarmos na marcha contra o golpismo e fortalecermos a nossa democracia reconquistada na base de muita luta e coragem.

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O ADEUS DO MUNDO A FRANCISCO – O PAPA DOS POBRES Por Rui Leitao 

O ADEUS DO MUNDO A FRANCISCO – O PAPA DOS POBRES Por Rui Leitao

O dia de hoje amanheceu mais triste para o mundo inteiro, com a notícia da morte do Papa Francisco. Seu pontificado foi marcado por posições que o colocavam como um pontífice reformista, pioneiro, inovador. Sua postura progressista encontrou oposição das alas ultraconservadoras da Igreja, chegando, inclusive, a ser chamado de comunista pela extrema-direita.

Foi o primeiro papa latino-americano, nascido na Argentina. No conclave em que foi eleito, só teve seu nome aclamado após a quinta votação. Foi, também, o primeiro jesuíta a ser nomeado papa, bem como o primeiro a suceder um pontífice ainda vivo. Portanto, chegou ao Vaticano, em março de 2013, dando demonstrações de que seria um papa diferente.

Quando decidiu ser chamado por Francisco, tendo como referência São Francisco de Assis, mandou a mensagem de sua opção pelos pobres, sendo esse o caminho que desejava trilhar durante seu pontificado. Abdicou da moradia no Palácio Apostólico, passando a residir em um quarto de hotel da Casa Santa Marta, no Vaticano. Queria uma Igreja próxima do povo. Foi radical na defesa da justiça social, defendendo a criação de políticas de redução da desigualdade social.

Na sua visão de mundo, surpreendeu pelas posições assumidas, tais como: a preocupação com os impactos ambientais causados pela humanidade; a flexibilização das políticas imigratórias, de forma a garantir aos refugiados o acolhimento amistoso; o celibato entre os sacerdotes da Igreja Católica; enfrentou, corajosamente, temas polêmicos como o divórcio, a homossexualidade e o uso de métodos anticoncepcionais; defendeu punições maiores contra a pedofilia e criticou o isolamento do Vaticano.

O frade dominicano brasileiro Frei Betto assim o definia: “O Papa Francisco incentivou os sínodos, as assembleias de bispos, para democratizar a estrutura autoritária da Igreja. Foi um contraste em relação aos 35 anos anteriores, nos pontificados conservadores de João Paulo II e Bento XVI. Com Bergoglio, não havia tabu.”

Não foi a Igreja Católica que perdeu seu Sumo Pontífice. Foi o mundo que perdeu um líder diferenciado, promotor da paz mundial e defensor intransigente da dignidade humana, buscando sempre uma sociedade mais fraterna e mais justa, como pregava Jesus Cristo. Não sabemos, ainda, quem o substituirá, mas, com certeza, ele vai fazer muita falta. Deus já deve tê-lo acolhido em Seus braços.

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