O DECRETO DO SILÊNCIO: A CENSURA PRÉVIA NA DITADURA MILITAR; Rui Leitao

O DECRETO DO SILÊNCIO: A CENSURA PRÉVIA NA DITADURA MILITAR

A censura a informações contrárias ao governo passou a existir desde os primeiros dias após o golpe de 1964. Mas foi apenas em janeiro de 1970 que ela foi oficialmente definida pelo Decreto-Lei nº 1.077, que ficou conhecido como Lei da Censura Prévia, pois tinha como objetivo regular e controlar veículos midiáticos, violando a liberdade de expressão. Popularmente, passou a ser chamado de “Decreto Leila Diniz”, porque foi publicado poucos meses depois de a atriz conceder ao jornal O Pasquim uma entrevista considerada escandalosa para os padrões da época, na qual falou abertamente sobre costumes, sexo e ainda utilizou dezenas de palavrões.

Assinado pelo general Emílio Garrastazu Médici, então presidente da República, já no primeiro artigo o decreto determinava: “Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação.” A partir daí, censores passaram a se instalar nas redações de jornais e revistas, com autoridade para decidir o que poderia ou não ser publicado. Cabia a eles identificar notícias que entendessem ferir os “bons costumes”. A mídia alternativa — como os jornais Opinião, Movimento e O Pasquim — era obrigada a enviar previamente seus textos à Divisão do Departamento de Polícia Federal, em Brasília, para análise e liberação.

Os meios de comunicação ficavam proibidos de divulgar qualquer informação considerada “incômoda” ao Planalto. O descumprimento da lei implicava em multa, além da obrigação de pagar pela incineração de todos os exemplares que contivessem matérias vetadas. Foi a forma encontrada pelos ditadores para impedir que veículos de imprensa investigassem denúncias de corrupção e publicassem críticas ao governo.

A censura, entretanto, não se limitou à imprensa. Escritores, artistas, cineastas, músicos e dramaturgos também tiveram suas obras total ou parcialmente vetadas por supostamente ferirem os princípios morais e políticos do regime. Músicos como Chico Buarque, Elis Regina, Gilberto Gil, Raul Seixas e Taiguara se tornaram alvos constantes. Livros de Rubem Fonseca, Érico Veríssimo, Jorge Amado e Maria da Conceição Tavares foram proibidos de circular. Filmes como Laranja Mecânica, Encouraçado Potemkin e Macunaíma tiveram sua exibição impedida.

Os jornais, numa estratégia de resistência silenciosa, preenchiam os espaços de matérias censuradas com receitas gastronômicas ou poemas, como forma de denunciar publicamente a ação da censura. A população, contudo, ficava privada de informações sobre os graves acontecimentos da época: perseguições a políticos de esquerda, estudantes, artistas e intelectuais; desrespeito sistemático aos direitos humanos; cassações de mandatos; denúncias de torturas e desaparecimentos; além de medidas governamentais que comprometeriam o futuro político, econômico e social do país. A imprensa, policiada e silenciada, apenas veiculava o que era conveniente ao governo.

Teoricamente, a censura à imprensa era justificada pela Doutrina de Segurança Nacional, ideologia-base do regime militar. Essa doutrina difundia a noção de que o Estado deveria combater o “inimigo interno” — identificado como o comunismo e seus simpatizantes — e, por isso, considerava legítimo censurar os meios de comunicação e as expressões culturais. O aparato repressivo utilizava práticas sigilosas e normas de exceção para calar vozes dissidentes e preservar a unidade do discurso oficial. A censura obedecia a ordens centralizadas, emanadas de um núcleo institucional solidamente estabelecido.

A censura prévia à imprensa só terminou oficialmente em 1988, com a promulgação da nova Constituição, símbolo da redemocratização nacional.

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ANITA PRESTES: MEMÓRIA E RESISTÊNCIA; Rui Leitao 

ANITA PRESTES: MEMÓRIA E RESISTÊNCIA; Rui Leitao

A Rádio Tabajara tem produzido uma série especial intitulada Tabajara Conta a História, que aborda acontecimentos marcantes do Brasil, ajudando o ouvinte a compreendê-los dentro do contexto sociopolítico, econômico e cultural de cada época. Os programas reúnem relatos de pesquisadores, estudiosos e protagonistas de eventos documentados, promovendo um mergulho instigante no passado e estimulando um olhar crítico sobre nossa trajetória histórica. O objetivo é resgatar memórias culturais e afetivas fundamentais para entendermos as experiências pretéritas de nosso povo.

Nesta semana, o destaque é uma entrevista exclusiva da historiadora Anita Leocádia Prestes, filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário, concedida à Rádio Tabajara e ao jornal A União. Em sua fala, Anita relembra episódios centrais da história republicana brasileira, em que seus pais tiveram participação decisiva, sempre vinculados à luta política, à revolução e à resistência. Ela critica as tentativas de falsificação dessa experiência e defende o legado do Cavaleiro da Esperança e de seus companheiros.

A historiadora ressalta a trajetória de Luís Carlos Prestes, que liderou a marcha militar contra a República oligárquica entre 1925 e 1927, na célebre Coluna Prestes, e sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro, cuja militância resultou em anos de prisão. Recorda também o destino trágico de Olga Benário, deportada pelo governo Getúlio Vargas para a Alemanha nazista, onde foi executada em um campo de concentração, tornando-se símbolo da resistência antifascista e da luta por justiça social. Anita narra ainda sua própria história: nascida em solo alemão, foi resgatada ainda bebê pela avó paterna e viveu no México até os oito anos de idade, reencontrando o pai apenas em 1945, quando este deixou a prisão.

Ao falar de sua mãe, Anita enfatiza: “A Olga, minha mãe, foi um caso, mesmo na Alemanha, em que foram assassinadas milhões de pessoas, que ficou bastante conhecida pelo fato de ser a esposa do Prestes. Inclusive, ela foi extraditada do Brasil junto com outra companheira alemã que estava aqui, também revolucionária, a Elise Ewert. E quase ninguém fala na Elise Ewert, por quê? A Elise Ewert não foi menos heróica do que a Olga. Inclusive foi barbaramente torturada aqui no Brasil. O Prestes e a Olga não foram fisicamente torturados, porque o Prestes já tinha um prestígio mundial muito grande”.

Com suas memórias políticas, Anita resgata fatos relevantes do passado brasileiro e os relaciona com reflexões sobre o presente. Seu depoimento oferece uma visão mais ampla de episódios muitas vezes omitidos ou distorcidos, contribuindo para a compreensão das lutas, perseguições e formas de resistência que marcaram nossa história. Segue ativa na militância, pesquisando, publicando obras de referência para a historiografia nacional e participando como palestrante em eventos nos quais divulga suas ideias e críticas, sempre com horizonte voltado para o socialismo.

O programa foi ao ar ontem pela Rádio Tabajara e permanece disponível nas plataformas de áudio da EPC – Empresa Paraibana de Comunicação. A entrevista completa também será publicada em edição especial do jornal A União no próximo domingo.

Rui Leitão- ADVOGADO, JORNALISTA, POETA, ESCRITOR




A LIÇÃO ARGENTINA E O DESPERTAR BRASILEIRO Por Rui Leitao 

A LIÇÃO ARGENTINA E O DESPERTAR BRASILEIRO Por Rui Leitao

No sábado assisti ao filme Argentina, 1985, de Santiago Mitre, sobre o julgamento das juntas militares responsáveis pelos crimes da ditadura instaurada em 1976. Impossível não comparar com o Brasil, onde torturadores e assassinos permaneceram impunes, amparados pela Lei da Anistia de 1979, mantida pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.

O filme mostra o que não fizemos por aqui. Enquanto a Argentina enfrentava seu passado e punia culpados, o Brasil preferiu a conciliação. O relatório Nunca Más, da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, foi decisivo para levar generais ao banco dos réus. Por aqui, o silêncio e o esquecimento prevaleceram.

Mas a história parece começar a mudar. Hoje, o Supremo inicia o julgamento de um ex-presidente e militares de alta patente, acusados de tentar um golpe para reverter o resultado das eleições de 2022. É um passo inédito. A Corte repete, de certa forma, a frase do promotor argentino Júlio César Strassera: “Senhores juízes: nunca mais!”

Quarenta anos depois, o Brasil enfim se aproxima de romper sua tradição de impunidade. A Argentina tornou-se referência de memória, justiça e verdade. O exemplo vizinho parece, agora, encontrar eco entre nós. A justiça tarda, mas pode não falhar. É uma reviravolta na História. A democracia triunfando. Ditadura nunca mais.

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O ULTIMO GESTO DE GETÚLIO Por Ruiu Leitao 

O ULTIMO GESTO DE GETÚLIO Por Ruiu Leitao

A data de hoje registra o 71º. aniversário do suicídio de Getúlio Vargas. Antes de cometer o ato que lhe tirou a vida, ele escreveu uma “carta testamento” que tem provocado, até hoje, muita polêmica. Ao que se tem conhecimento existem duas versões do documento histórico: uma manuscrita, mais concisa, e outra com maior conteúdo, datilografada, distribuída à imprensa como a mensagem oficial ao povo brasileiro. Em ambas, deixa claro que estava sofrendo pressões de grupos internacionais e nacionais contrários ao trabalhismo, o que teria motivado a decisão de suicidar-se.

Alguns historiadores atribuem o estilo oficial das cartas ao jornalista José Soares Maciel Filho, que era o redator dos discursos de Vargas. Porém, ele confirmou à família que apenas teria datilografado a carta entregue à imprensa. Tanto na Carta Testamento, quanto na Carta Despedida, Getúlio se apresentava como defensor do povo e líder martirizado, justamente porque mantinha uma luta contra a espoliação do povo brasileiro.

No dia 13 de agosto, seu ajudante de ordens, o major da Aeronáutica Herman Fittipaldi, encontrou sobre a mesa de trabalho no gabinete presidencial um bilhete escrito à lápis, hoje conhecido como a Carta de Despedida, contendo a seguinte afirmação: “À Sanha dos meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo a mágoa de não ter podido fazer pelos humildes tudo o que desejava”. Era um prenúncio do que estava decidido a fazer, como forma de enfrentar a ameaça do golpe militar que estava em curso e uma guerra civil no país. Em 24 de agosto cometeu suicídio com um tiro no coração em seu quarto. Acreditava que sua morte teria impacto significativo na história do Brasil e que seu sacrifício seria lembrado como um ato de resistência.

Trechos de sua Carta Testamento demonstram isso. Principalmente a famosa frase: “Saio da vida para entrar para a História”. “Não me acusam, me insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender como sempre defendí, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto”. E ainda; “Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco”

É inquestionável que Getúlio deixou um legado político de grande importância, especialmente na área trabalhista, cujos avanços foram diversos e estruturantes para o futuro do país. Realizou profundas mudanças na economia brasileira, antes dominada pelas oligarquias paulista e mineira, conhecida como “política do café com leite”, submissas às companhias estrangeiras instaladas no Brasil. Denunciou a pressão interna e externa da UDN e dos EUA. Pode ser considerado o fundador do Brasil Moderno, o construtor da identidade, da consciência e da unidade nacionais.

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Não há férias na escola da vida Por Rui Leitao

Não há férias na escola da vida Por Rui Leitao

Na escola da vida, ninguém pergunta se você quer se matricular. Basta nascer e já está inscrito. Não há uniforme, não há carteira marcada. E o período letivo… ah, esse nunca acaba.

O curioso é que, nessa escola, somos alunos e professores ao mesmo tempo. Mas o grande mestre é o tempo — esse professor exigente, paciente e, às vezes, severo. Ele não dá aviso prévio de prova. Um dia você acorda e lá está: o teste na mesa. E se não estudou, não adianta pedir recuperação.

Algumas matérias são leves: amor, amizade, alegria. Outras exigem mais esforço: paciência, tolerância, perdão. Tem também aquelas disciplinas que a gente preferia não cursar: dor, perda, solidão. Mas é com elas que o aprendizado se aprofunda.

O diretor da escola — que muitos chamam de Deus — tem um jeito todo particular de preparar as lições. Às vezes, ensina pelo afeto; outras, pela dificuldade. E assim vamos acumulando notas, sem boletim impresso, mas com um registro invisível no coração.

Nos conflitos, aprendemos a valorizar a paz. Na escassez, descobrimos o suficiente. Ao ver injustiças, treinamos a empatia. E, no convívio diário, aprendemos a arte difícil de amar o próximo — lição que alguns repetem por anos e anos sem conseguir passar.

Não há férias nessa escola. O sinal não toca para encerrar o expediente. Cada dia é uma nova aula. E talvez o diploma final seja a serenidade de olhar para trás e dizer: “Aprendi. Errei, mas aprendi. Vivi a lição até o último capítulo.”

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O DELÍRIO COLETIVO Por Rui Leitao

O DELÍRIO COLETIVO Por Rui Leitao

A crença fanática em um suposto mito produz o que a ciência chama de “delírio coletivo”. A propagação de informações, ideias e valores falsificados, promove esse tipo de comportamento em grupos de pessoas. Esse fenômeno da psicologia social ganhou proporções de grandiosidade na população brasileira nos anos recentes. A rejeição da verdade se manifestando por opiniões induzidas, na admissão de uma realidade paralela motivada por aspirações emocionais. A desinformação disseminada intencionalmente com o objetivo de causar danos potenciais à paz, aos direitos humanos e à ordem democrática.

Verifica-se uma espécie de contágio das massas, despertando paixões irracionais por determinados temas e bandeiras de cunho ideológico e político na construção de inimigos imaginários. Há uma imersão em teorias conspiratórias com captura emocional. O fanatismo induz a performances bizarras sem qualquer constrangimento, resultantes da máquina de manipulação. Percebe-se a falta de qualidade argumentativa, o que, por consequência, gera discursos de intolerância e de ódio. Uma alucinação geral que despreza fatos, declarações racionais e até dados científicos.

Esse ambiente de adoecimento psíquico coletivo de parte da população, pôs em risco a nossa democracia. Não podemos ficar desatentos, porque esse mal ainda nos ronda. Conteudos falsos e/ou enganosos continuam sendo difundidos, alimentando a negação de verdades factuais, com o propósito de sustentar esse delírio coletivo. Permanece o esforço para fazer com que as verdades que desagradam sejam consideradas inautênticas, para que o grupo do qual o fanático faz parte mantenha-se compartilhando das mesmas percepções e opiniões.

A mentira como estratégia política, revestida por mensagens conspiratórias e agressivas, conduziu parte da sociedade brasileira a um delírio coletivo. Foi adotado um método de persuasão pautado para a criação de um mundo paralelo que excita multidões. Essa epidemia mental, nos leva à conclusão de que “ninguém é mais o mesmo” quando se torna prisioneiro de um movimento coletivo caracterizado por convicções falsas firmemente defendidas. A pessoa passa a se comportar em função do contexto e do grupo social em que está inserida.

Faz-se necessário, então, que as expressões de dissonância cognitiva não marquem mais presença na vida pública de nosso país. Esse é um fenômeno que precisa ser estudado muito mais por psiquiatras e psicólogos do que por cientistas políticos. Os radicais da extrema direita entenderam que era chegada a hora de sair do armário com legitimidade e segurança. O resultado da eleição presidencial do ano passado, de certa forma, conseguiu impor um freio ao entusiasmo desses movimentos antidemocráticos. A democracia foi salva, mas necessita ser consolidada, pondo fim à essa histeria coletiva que ainda domina boa parte da população brasileira.

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LIÇÕES DE UM PRÉDIO HISTÓRICO Por Rui Leitao

LIÇÕES DE UM PRÉDIO HISTÓRICO Por Rui Leitao

Ao longo dos meus 75 anos de vida, estive várias vezes no Rio de Janeiro. Vi suas avenidas movimentadas, ouvi seus sotaques inconfundíveis, atravessei suas paisagens misturadas entre mar e concreto. Mas, curiosamente, nunca me senti tentado a conhecer uma de suas mais emblemáticas atrações turísticas. Talvez porque minhas idas à cidade maravilhosa tivessem sempre um propósito muito claro: trabalho. Chegava com a agenda cheia e saía com a cabeça ainda mais cheia.

Foi apenas agora, em julho, que decidi quebrar esse ciclo. Acompanhado de minha esposa, Nadja Claudino — professora de História e escritora — fiz uma viagem com outro espírito: o do lazer com olhos atentos à cultura.

Deixei a escolha do roteiro por conta dela, e não me arrependi. Como era de se esperar, nosso itinerário foi guiado pela história da antiga capital do Brasil. Visitamos museus, praças, igrejas e edifícios que testemunharam a vida política e social do país. Mas um lugar, em especial, mexeu comigo de forma inesperada: o Palácio do Catete.

Hoje transformado em Museu da República, o prédio impressiona à primeira vista com seu estilo neoclássico francês. São 10 mil metros quadrados de história esculpida em pedra e memória: jardins bem cuidados e salões que já abrigaram decisões cruciais.

Construído em 1858 pelo barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, o palácio foi inicialmente uma residência aristocrática. Só mais tarde, em 1897, tornou-se sede do Poder Executivo nacional, quando o vice-presidente Manuel Vitorino assumiu interinamente o governo e ali instalou a presidência — função que o prédio exerceria até 1960, quando Juscelino Kubitschek transferiu a capital para Brasília.

O Catete foi palco de muitos momentos decisivos da República. Mas nenhum mais dramático do que o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Seu quarto permanece preservado, como se o tempo tivesse parado naquela madrugada silenciosa e pesada. A famosa Carta-Testamento, deixada por ele, ainda ecoa no ambiente. Estar ali é como ouvir, de novo, um país inteiro prendendo a respiração.

Há também o outro lado do museu: exposições permanentes e temporárias, mobiliário original, objetos que viram a história acontecer de dentro para fora, e uma programação cultural viva, que mantém o local como centro pulsante da memória nacional.

Machado de Assis, com sua costumeira precisão, já previa em Esaú e Jacó a aura que envolveria o Palácio. Escreveu ele:
“Ao passar pelo Palácio Nova Friburgo, levantou os olhos para ele com o desejo do costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever os altos destinos que o palácio viria a ter na República… Santos não tinha a imaginação da posteridade. Via o presente e suas maravilhas.”

Pois bem, eu também não tive essa “imaginação da posteridade”. Deixei que o presente, por muitos anos, obscurecesse o valor de visitar aquele lugar. Mas agora, enfim, posso dizer que me redimi de um antigo pecado: o de nunca ter procurado conhecer o Palácio do Catete.

Foi mais do que uma visita. Foi um reencontro com a história, com a cidade, comigo mesmo. Ali, onde o poder já teve endereço fixo, senti o passado conversar com o presente — e tive a certeza de que a memória é, também, uma forma de redenção.

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DNA DO AUTORITARISMO Por Rui Leitao

DNA DO AUTORITARISMO Por Rui Leitao

A política brasileira contemporânea tem nos mostrado que a herança biológica pode, sim, influenciar características comportamentais e ideológicas transmitidas aos descendentes. O youtuber Paulo Figueiredo, refugiado nos Estados Unidos, é um desses exemplos. Neto do último ditador dos “anos de chumbo”, general João Batista de Figueiredo, ele herdou do avô as preferências e o comportamento político típicos dos autocratas.

Ainda que, cientificamente, já esteja comprovado que fatores genéticos contribuem para a formação das opiniões políticas, deve-se considerar que, nesse caso específico, o herdeiro também recebeu uma formação que o leva a se espelhar na biografia do avô. Percebe-se claramente que ele se inspira nos traços de personalidade do general, de quem descende por linha direta.

Em entrevista concedida à apresentadora Leda Nagle, quando ainda residia no Brasil, o autointitulado jornalista vangloriou-se de ter herdado duas características do avô: a “franqueza brutal” e o “humor sarcástico”. Esqueceu de mencionar que o golpismo também parece estar em seu DNA. Desde o tempo em que atuava como comentarista na Jovem Pan, ele agia como braço midiático do plano golpista fracassado que ameaçou o país com uma nova ruptura democrática.

O relatório da Polícia Federal, que instrui o processo atualmente em julgamento no Supremo Tribunal Federal, o aponta como “integrante da organização criminosa que objetivava impedir a posse do presidente da República legitimamente eleito em 2022”. É evidente sua participação na trama golpista: vazamento de documentos pró-intervenção militar, produção de fake news contra as urnas eletrônicas e pressão sobre generais para que apoiassem a quartelada.

Por ser neto do ditador, exercia influência em setores das Forças Armadas, incitando integrantes à insubordinação contra os comandantes que se posicionaram contra a ação criminosa, conforme consta no relatório da PF.

Atualmente, em parceria com o “filho 03” do ex-presidente Jair Bolsonaro, está nos Estados Unidos articulando uma reação do governo norte-americano com o objetivo de aplicar sanções econômicas ao Brasil, como forma de forçar a anistia do líder da intentona golpista que culminou com a barbárie de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ambos confirmaram ter tido conhecimento prévio do tarifaço de 50% sobre produtos exportados pelo Brasil, cuja aplicação está prevista para o próximo dia 1º de agosto. Nos EUA, ao lado do blogueiro Allan dos Santos — também foragido —, Paulo continua produzindo conteúdos para redes sociais como militante da extrema direita.

Há um ditado popular que diz: “Filho de peixe, peixinho é”, sugerindo que, geralmente, os filhos herdam dos pais características e comportamentos. Essa herança pode ser positiva — mas, no caso de Paulo Figueiredo, ele herdou justamente os traços mais nocivos do avô. Lamentavelmente.

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OS GOLPES FRACASSADOS NO BRASIL Por Rui Leitao

OS GOLPES FRACASSADOS NO BRASIL

A história do Brasil tem bons exemplos de tentativas de golpe que fracassaram. Muitos são os fatores que contribuíram para o insucesso dessas empreitadas: falta de articulação, resistência das instituições democráticas, incompetência do núcleo conspirador. É interessante constatar que as tentativas lideradas por militares de baixa patente nunca deram certo.

Em 1922, o capitão de artilharia Siqueira Campos, com seus “18 do Forte”, foi abatido na Avenida Atlântica, nas imediações do Posto 3, no Rio de Janeiro. Em 1924, foi a vez do capitão Luís Carlos Prestes, com sua Coluna Invicta, que percorreu o país por dois anos sem conseguir abalar a estabilidade do governo do presidente Arthur Bernardes. O levante dos tenentes do Exército, ocorrido em Manaus no ano de 1932, foi mais um golpe frustrado. O capitão Prestes voltou a liderar uma tentativa de insurreição em 1935, com a Intentona Comunista, sendo novamente derrotado pelas forças legalistas nos combates da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e em Natal, no Rio Grande do Norte.

O major Haroldo Veloso liderou o célebre levante de Jacareacanga, no Pará, em 1955, contra a posse de Juscelino Kubitschek. A rebelião terminou com o recuo dos insurgentes para a Bolívia, onde permaneceram exilados. Anistiado pelo presidente recém-empossado, Veloso voltou à cena, desta vez ao lado do tenente-coronel Burnier, à frente da fracassada rebelião dos aviadores, que teve como base o aeródromo de Aragarças, em Goiás.

Em 1963, ocorreu a Revolta dos Sargentos, que contou com a participação de marinheiros, sargentos e suboficiais da Aeronáutica. O movimento se deu como reação à decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou a eleição de dois sargentos para a Câmara dos Deputados. Em Brasília, os revoltosos foram contidos pelas tropas do Exército. Mais um golpe de baixa patente fracassado. Seu líder, o sargento Antônio Prestes de Paula, foi condenado a quatro anos de prisão.

A mais recente movimentação golpista foi planejada e liderada por um capitão expulso do Exército. Inicialmente, buscava sua permanência no poder. Depois, derrotado nas urnas, tentou impedir a posse do presidente legitimamente eleito. Sem o apoio dos comandantes das Forças Armadas, a história registrou mais um golpe fracassado, desta vez arquitetado por alguém que, enquanto esteve no Exército, ostentava apenas a patente de capitão. O episódio culminou com a barbárie do dia 8 de janeiro de 2023, quando vândalos invadiram e depredaram os edifícios-sede dos Três Poderes, em Brasília. Ainda assim, as debilidades do golpe não devem nos levar a pensar que “a serpente esteja morta”.

Há mais de um século, integrantes das Forças Armadas que se imaginavam figuras-chave nas corporações militares e atores estratégicos da política nacional foram derrotados em suas tentativas de romper a ordem institucional do país. Sem o respaldo dos altos comandos militares, o golpe de 2023 não prosperou, embora tenha comprometido a imagem das Forças Armadas. Faltou, também, o apoio massivo da sociedade civil para que houvesse uma ruptura democrática.

O ex-presidente e outros integrantes de seu governo respondem criminalmente pela tentativa de golpe de Estado. O processo encontra-se em fase conclusiva no Supremo Tribunal Federal.

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CELSO FURTADO, O CRIADOR DA SUDENE Por Rui Leitao 

CELSO FURTADO, O CRIADOR DA SUDENE Por Rui Leitao

O paraibano Celso Furtado é reconhecido como um dos grandes pensadores do desenvolvimento regional do Brasil, em especial com respeito ao Nordeste. Talvez o maior propositor de políticas a respeito. Autor de cerca de 40 livros, ganhou projeção nacional em 1959 com a publicação de Formação Econômica do Brasil, obra fundamental para a compreensão do desenvolvimento econômico brasileiro.

No governo de Juscelino Kubitschek, apresentou um ousado projeto de desenvolvimento regional para o Nordeste. Com base no Relatório Ramagen, que denunciava os abusos da chamada “indústria da seca”, Furtado propôs a criação de uma autarquia que enfrentasse os problemas estruturais da região. Nascia, assim, a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), que ele mesmo viria a dirigir. Seu Plano de Ação definia quatro ações que considerava estratégicas: 1) aumentar os investimentos industriais, 2) reorganizar a economia do semiárido, 3) ampliar a produção de alimentos na faixa úmida, e 4) deslocar a fronteira agrícola do semiárido para o Maranhão.

À frente da nova entidade, Celso Furtado enfrentou interesses poderosos. Criticou o assistencialismo que beneficiava grandes proprietários rurais e alimentava práticas de corrupção. Em seu lugar, defendeu políticas de incentivo à agricultura de subsistência e à geração de emprego no campo. Suas ações confrontaram diretamente a oligarquia nordestina e setores das Forças Armadas. A expansão dos investimentos industriais suprindo as necessárias infraestruturas, como em energia elétrica e transportes.

Com o golpe militar de 1964, Furtado foi rapidamente incluído na primeira lista de cassações promovida pelo novo regime. No dia 1º de abril, esteve com o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que resistia a deixar o cargo. Dois dias depois, entregou sua função e pediu asilo à embaixada do Chile. Exilado, passou 15 anos fora do país, mas continuou influente, atuando como assessor técnico das Nações Unidas e membro do Instituto Latino-Americano para Estudos de Desenvolvimento. Viveu em diversos países, como França, Estados Unidos e Chile, onde lecionou e participou de debates sobre o desenvolvimento. Mesmo exilado permaneceu exercendo o seu espírito crítico. Dedicou sua vida a entender o Brasil e produzir projetos de transformação social.

Celso Furtado deixou um legado de pensamento econômico voltado para a justiça social e a superação das desigualdades regionais. Seu trabalho à frente da Sudene marcou uma virada na forma de pensar o desenvolvimento do Nordeste — não como problema, mas como potencial a ser promovido com planejamento, coragem e visão estratégica. Em entrevista concedida em 1997, assim se referiu ao Nordeste na contemporaneidade: “O grande problema que eu vejo no Nordeste é a falta de consciência de que a união regional é um trunfo político. Eu diria que [hoje] o mais importante para o Nordeste é restaurar o espírito de unidade da região”.

Que suas ideias e iniciativas continuem sendo fontes de inspiração para tantos quantos assumam a responsabilidade de pensar e realizar projetos que possam dar solução à questão regional que o Nordeste ainda enfrenta. E que, cada brasileiro, em especial cada nordestino, preste o justo tributo à relevância de suas formulações.

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