A GUERRA MORAL QUE CONQUISTA OS VULNERÁVEIS; Rui Leitao 

A GUERRA MORAL QUE CONQUISTA OS VULNERÁVEIS; Rui Leitao

Não há como evitar o questionamento sobre um fenômeno político que tem se intensificado nos últimos anos: por que tantas pessoas pertencentes às camadas sociais de baixo poder aquisitivo aderem a pautas da extrema direita? O sociólogo Jessé Souza, em seu livro “Pobre de Direita – A Vingança dos Bastardos”, busca explicar esse irracionalismo coletivo que promove uma identificação afetiva com líderes extremistas, facilitada pela forma eficaz com que esses atores conquistam adesões. Entre os fatores, destaca-se a influência de doutrinas religiosas neopentecostais e o ressentimento que permeia boa parte da sociedade brasileira.

Ainda que sejam prejudicados pela prática política da direita, esses que passaram a ser classificados como “pobres de direita” resultam de uma guerra moral e de um ambiente de desinformação que estimula o negacionismo, a anticiência e reforça posturas conservadoras. A teologia da prosperidade, forte em muitas igrejas neopentecostais, tem impacto direto nessa adesão à ideologia conservadora ao pregar que o sucesso material é sinal do favor divino, reforçando a crença na meritocracia. Assim, uma parcela das classes populares admite votar contra seus próprios interesses, fazendo escolhas frequentemente inconscientes, impulsionadas por valores retrógrados, identidades forjadas e medos cuidadosamente alimentados.

Mesmo vivendo em condições econômicas adversas, muitos preferem apostar nos discursos da elite que exaltam a meritocracia e um nacionalismo ingênuo, em desfavor da democracia e da própria pátria. Tornam-se, desse modo, vítimas de um “colonialismo mental” que se espelha em sociedades estrangeiras muito distintas da nossa realidade. Prevalece a cultura da subserviência, do sentimento de inferioridade e do conformismo diante da situação vivida, acompanhada do temor diante de qualquer proposta de vanguarda.

O “pobre de direita” se comporta assim porque foi facilmente contaminado por pregações ideológicas que servem aos interesses das classes dominantes, sem desenvolver a preocupação em ampliar seus conhecimentos de mundo — algo que lhe permitiria exercer uma visão crítica da realidade e contribuir efetivamente para práticas progressistas voltadas à solução de seus próprios problemas. Age sob uma lógica contraditória, guiada por valores conservadores e moralistas, mesmo que isso prejudique a melhoria de suas condições de vida. A manipulação midiática reforça essa lógica ao produzir narrativas distorcidas que beneficiam apenas o topo da pirâmide social, promovendo a imagem de que a esquerda seria uma ameaça à moralidade, enquanto a direita se apresenta como salvadora da família e da ordem.

O bombardeio de desinformações tem o propósito de incutir nesse eleitorado uma percepção desviada das causas reais dos problemas sociais, levando-o a acreditar em realidades fictícias. Por isso, não percebe que políticas neoliberais precarizam o trabalho e desmontam a proteção social, mantendo milhões de brasileiros em permanente vulnerabilidade. Essa situação só poderá ser revertida quando tivermos uma política educacional capaz de abrir os olhos dessas pessoas, transformando a “raiva” à qual foram manipuladas a sentir em indignação consciente contra as políticas de opressão a que são historicamente submetidas.

Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor




DA ESCRAVIDÃO LEGAL PARA A ESCRAVIDÃO SÓCIAL Por Rui Leitao 

DA ESCRAVIDÃO LEGAL PARA A ESCRAVIDÃO SÓCIAL Por Rui Leitao

Nos bancos escolares, aprendemos que uma princesa aboliu a escravidão no Brasil. Nas provas, cobravam-nos apenas a data e o nome da lei. Nada além disso era solicitado — e o assunto se encerrava aí.

Entretanto, a escravidão moldou profundamente a sociedade brasileira. Foram mais de 300 anos de trabalho compulsório de africanos na construção do país, o último do mundo a extinguir essa prática, e só o fez após intensas pressões internacionais e internas, impulsionadas pelas lutas de negros e brancos que não aceitavam mais a existência de toda uma população de não cidadãos, de não consumidores, de pessoas que, por lei, pertenciam a um senhor que detinha quase o poder de vida e morte sobre elas.

A escravidão, como sabemos, não foi um fenômeno restrito ao Brasil ou a um período específico. Existiu na Antiguidade, aparece em diversos trechos dos textos bíblicos e, lamentavelmente, ainda hoje persiste sob múltiplas formas. No Brasil, além da miséria e da falta de oportunidades, o fim tardio da escravidão deixou às pessoas libertas o abandono — e, como marca mais profunda e duradoura, o racismo. Somos, infelizmente, uma sociedade racista, que necessita refletir sobre as maneiras pelas quais o racismo opera no cotidiano.

Dados do IBGE demonstram com clareza esses efeitos: 73% da população em extrema pobreza é composta por pessoas negras; nas universidades, apenas 18% dos estudantes matriculados são negros — e esse número só chegou a esse patamar graças às políticas de ação afirmativa. Na pós-graduação (mestrado e doutorado), o contraste é ainda maior: apenas 2,7% são pretos, contra 82% de brancos.

O Brasil precisa de uma nova abolição, que, diferente da primeira, seja baseada em políticas públicas que contemplem efetivamente a população negra e formem cidadãos antirracistas. Só assim construiremos uma sociedade verdadeiramente igualitária, uma pátria-mãe para todos os seus filhos.

A necessidade dessa segunda abolição nos leva a outra reflexão igualmente urgente: o persistente trabalho escravo contemporâneo, que está longe de desaparecer. O racismo continua sendo instrumento de funcionamento da produção capitalista, permitindo que a dominação burguesa mantenha as estruturas sociais brasileiras explorando a mão de obra negra em condições análogas à escravidão. Capitalismo e racismo se realimentam, herdeiros diretos dos resquícios do modo de produção escravista colonial.

É preciso enfrentarmos o desafio de formular estratégias que rompam o reacionarismo incrustado nas instituições e promovam a plena integração da população negra em condições de igualdade na sociedade de classes. Esta, sim, será a verdadeira “segunda abolição da escravidão” no Brasil.

www.reporteriedoferreira.com.br     Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor




A GUERRA MORAL QUE CONQUISTA OS VULNERÁVEIS Por Rui Leitao 

A GUERRA MORAL QUE CONQUISTA OS VULNERÁVEIS Por Rui Leitao

Não há como evitar o questionamento sobre um fenômeno político que tem se intensificado nos últimos anos: por que tantas pessoas pertencentes às camadas sociais de baixo poder aquisitivo aderem a pautas da extrema direita? O sociólogo Jessé Souza, em seu livro “Pobre de Direita – A Vingança dos Bastardos”, busca explicar esse irracionalismo coletivo que promove uma identificação afetiva com líderes extremistas, facilitada pela forma eficaz com que esses atores conquistam adesões. Entre os fatores, destaca-se a influência de doutrinas religiosas neopentecostais e o ressentimento que permeia boa parte da sociedade brasileira.

Ainda que sejam prejudicados pela prática política da direita, esses que passaram a ser classificados como “pobres de direita” resultam de uma guerra moral e de um ambiente de desinformação que estimula o negacionismo, a anticiência e reforça posturas conservadoras. A teologia da prosperidade, forte em muitas igrejas neopentecostais, tem impacto direto nessa adesão à ideologia conservadora ao pregar que o sucesso material é sinal do favor divino, reforçando a crença na meritocracia. Assim, uma parcela das classes populares admite votar contra seus próprios interesses, fazendo escolhas frequentemente inconscientes, impulsionadas por valores retrógrados, identidades forjadas e medos cuidadosamente alimentados.

Mesmo vivendo em condições econômicas adversas, muitos preferem apostar nos discursos da elite que exaltam a meritocracia e um nacionalismo ingênuo, em desfavor da democracia e da própria pátria. Tornam-se, desse modo, vítimas de um “colonialismo mental” que se espelha em sociedades estrangeiras muito distintas da nossa realidade. Prevalece a cultura da subserviência, do sentimento de inferioridade e do conformismo diante da situação vivida, acompanhada do temor diante de qualquer proposta de vanguarda.

O “pobre de direita” se comporta assim porque foi facilmente contaminado por pregações ideológicas que servem aos interesses das classes dominantes, sem desenvolver a preocupação em ampliar seus conhecimentos de mundo — algo que lhe permitiria exercer uma visão crítica da realidade e contribuir efetivamente para práticas progressistas voltadas à solução de seus próprios problemas. Age sob uma lógica contraditória, guiada por valores conservadores e moralistas, mesmo que isso prejudique a melhoria de suas condições de vida. A manipulação midiática reforça essa lógica ao produzir narrativas distorcidas que beneficiam apenas o topo da pirâmide social, promovendo a imagem de que a esquerda seria uma ameaça à moralidade, enquanto a direita se apresenta como salvadora da família e da ordem.

O bombardeio de desinformações tem o propósito de incutir nesse eleitorado uma percepção desviada das causas reais dos problemas sociais, levando-o a acreditar em realidades fictícias. Por isso, não percebe que políticas neoliberais precarizam o trabalho e desmontam a proteção social, mantendo milhões de brasileiros em permanente vulnerabilidade. Essa situação só poderá ser revertida quando tivermos uma política educacional capaz de abrir os olhos dessas pessoas, transformando a “raiva” à qual foram manipuladas a sentir em indignação consciente contra as políticas de opressão a que são historicamente submetidas.

www.reporteriedoferreira.com.br  Rui Leitão- Advogado, jornalista, poeta, escritor




O PÂNICO MORAL Por Rui Leitao 

O PÂNICO MORAL Por Rui Leitao

Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem vivido um sentimento exagerado de medo e preconceito, provocado pela pauta de costumes difundida pelos radicais de direita. São mensagens fraudulentas, espalhadas nas redes sociais com o propósito de atacar determinados padrões de comportamento e, assim, interferir nas disputas políticas.

É o que, em 1970, o sociólogo inglês Stanley Cohen chamou de “pânico moral”, ao estudar a reação da sociedade britânica diante de posturas consideradas contrárias aos valores morais então vigentes. Segundo ele, o pânico moral provoca mudanças na política legal e social, ou até mesmo na forma como a sociedade se compreende.

No Brasil, o pânico moral resulta, principalmente, das pautas relacionadas à sexualidade e às causas de gênero. Busca-se, com isso, fortalecer o controle social, estimulando hostilidades — tanto na esfera pública quanto na privada — contra estilos de vida desaprovados pelos conservadores. Essas pautas transformam-se em bandeiras políticas voltadas a impedir transformações sociais, sustentadas por um discurso pretensamente moral, que visa conquistar um consenso público e polarizar o combate entre as forças do Bem e do Mal, numa explícita distorção política e ideológica. Assim, adotam-se ações repressivas diante de grupos tidos como ameaçadores.

Essas “cruzadas morais”, criadas por interesses políticos, surgem em momentos de confusão ideológica e de crise social, com o objetivo de preservar atitudes e crenças que seus defensores consideram fundamentais. Grupos religiosos fundamentalistas justificam suas posições como protesto à suposta subversão social — particularmente aos valores da família e da vida — recorrendo a uma linguagem de indignação contra o Mal. Em muitos casos, contudo, o que se percebe é um falso moralismo.

A agenda moralista da ultradireita produz efeitos em diversos campos das relações sociais, elaborada sobre o ideal do “cidadão de bem”. O pânico moral é uma estratégia conservadora que procura reafirmar o domínio de quem detém o poder na sociedade, sobretudo em relação às minorias. Suas formas de propagação nem sempre são sutis. Tornaram-se cada vez mais explícitas com o advento das redes sociais e da mídia descentralizada, tentando afetar o nosso juízo da realidade, conforme passamos a produzir e consumir informações.

Para nos protegermos do pânico moral, precisamos checar as informações compartilhadas nas redes sociais e nos portais de notícias, buscar outras fontes e ouvir atentamente diferentes pontos de vista, ainda que contrários aos nossos. Perguntemo-nos sempre: Será que isso é verdade? Alguém realmente faria ou diria algo assim? Existem dados que sustentem essa afirmação?

Só assim estaremos vacinados contra o pânico moral.

www.reporteriedoferreira.com.br  /Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor




OS JOVENS NA BIENAL: A ESPERANÇA QUE FLORESCE Por Rui Leitao

OS JOVENS NA BIENAL: A ESPERANÇA QUE FLORESCE Por Rui Leitao

Ver tantos jovens circulando entre os estandes, folheando obras, dialogando com autores e se deixando envolver pelo universo da leitura renova nossa esperança no futuro. Essa foi a sensação experimentada ao participar, na semana passada, da XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, em Recife, a convite da Editora UNIÃO. Percebia-se a curiosidade, o interesse e o entusiasmo estampados nos rostos da juventude que ali compareceu, demonstrando que o livro permanece sendo um instrumento poderoso de formação e transformação.

O encontro com autores, os lançamentos de livros, a realidade virtual e os programas de inclusão proporcionavam ao público juvenil o incentivo à leitura, além daquela a que tem acesso na escola tradicional. Num ambiente dinâmico, a Bienal cumpriu o objetivo de colocar a nova geração no centro das discussões sobre leitura e cultura, abrindo, assim, perspectivas esperançosas para o futuro da leitura em nosso país. O intercâmbio cultural promovido pelo evento permitia que fossem explorados novos universos literários.

A EPC – Empresa Paraibana de Comunicação – marcou presença com a instalação de um espaço para a Livraria e Editora A UNIÃO, onde foram lançados livros de autores paraibanos, incluindo 27 escritores selecionados pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult-PB), com obras literárias nos gêneros romance, conto, crônica, cordel, poesia, literatura infantojuvenil e biografia.

Tive a honra de ser convidado para apresentar meu mais recente livro Eu Vivi a Ditadura Militar e pude constatar, com alegria, o interesse dos jovens em conhecer mais sobre esse tema tão importante para a história política nacional. Foi gratificante perceber o despertar da consciência crítica dessa geração, que busca compreender verdades que, estrategicamente, tentaram apagar da memória coletiva. Com entusiasmo e ânimo, percebi o desejo da juventude em debater o tema, procurando informações que lhe foram negadas.

Foi muito bom e auspicioso verificar que os jovens não estão restritos à utilização da internet e das redes sociais para expandir o conhecimento que lhes permite assumir o necessário protagonismo na construção de novas realidades, manifestando suas demandas sociais, políticas, econômicas e culturais. Essa redescoberta da importância do livro contribui para que exercitem o senso crítico, a imaginação e a criatividade.

Fiquei feliz: essa nova geração indica a esperança ativa a que se referia Paulo Freire, enraizada na prática e na união de esforços para se tornar efetiva. Uma esperança sabedora de sua importância enquanto ação-reflexão que promove transformação social, começando pela compreensão crítica da realidade. Rejeitando a esperança cega dos despolitizados, mas afirmando a esperança revolucionária, que busca mudanças, resiste à repressão e crê na possibilidade de um mundo melhor — trabalhando sempre pela realização das novidades viáveis.

No livro A Pedagogia do Oprimido, o pedagogo pernambucano expressa com clareza seu espírito de luta com esperança: “Movo-me na esperança enquanto luto, e se luto com esperança, espero”. E mais: “Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico.”
Saí de lá otimista, porque testemunhei uma garota, em torno dos 18 anos, pesquisando onde encontrar livros de Paulo Freire.

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“EM MEMÓRIA DO CORONEL ULSTRA, O PAVOR DE DILMA ROUSSEFF”: Rui Leitao

“EM MEMÓRIA DO CORONEL ULSTRA, O PAVOR DE DILMA ROUSSEFF”

Acreditem, mas essa foi a frase pronunciada por um ex-presidente da República, à época deputado federal, durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no plenário da Câmara Federal. Para compreender a gravidade dessa manifestação pública, transmitida ao vivo pela televisão para todo o Brasil, é preciso conhecer o personagem da ditadura militar cuja memória foi reverenciada sem qualquer constrangimento. Trata-se de um tema árido, mas que não pode ser relegado ao esquecimento, se quisermos ter a verdadeira noção do que aconteceu nos porões da ditadura.

O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, considerado um “herói nacional” por Jair Bolsonaro, foi o cérebro da repressão durante o regime autoritário instaurado a partir do golpe de 1964, que perdurou por 21 anos. Seu espírito cruel e desumano não poupava crianças e se orgulhava de comandar violações contra mulheres. Em razão dessa sua obsessão pela prática da tortura, ficou conhecido como o “senhor da vida e da morte”, por decidir quem iria viver ou morrer. Os métodos por ele aplicados deixavam as vítimas mutiladas, cegas, surdas, estéreis, com danos cerebrais e sequelas psíquicas irreversíveis, quando não morriam. Alguns chegaram ao suicídio para escapar dos suplícios. Queimar partes do corpo com cigarros; arrancar, com alicate, pelos, dentes ou unhas; negar água por dias; amarrar fios de náilon entre os testículos e os dedos dos pés obrigando a vítima a caminhar; aplicar palmatórias; provocar afogamentos e espancamentos eram algumas das técnicas por ele utilizadas.

Ustra cumpria ordens emanadas pelos ditadores, sob a convicção de que era necessário reprimir com violência para afastar da cena política aqueles considerados opositores do governo ou rotulados como “criminosos sociais”. A tortura tornou-se, assim, institucionalizada. O aparato repressivo funcionava como política de Estado. O projeto Brasil: Nunca Mais, desenvolvido pela Arquidiocese de São Paulo, documentou mais de 500 casos de tortura cometidos dentro das dependências do DOI-CODI durante o período em que Ustra foi seu comandante, de 1970 a 1974. A formação do torturador assentava-se sobre bases ideológicas determinadas pelo governo, e suas ações eram justificadas pelo discurso do “estado de guerra interna”.

Os torturadores nunca eram punidos, porque não eram vistos como carrascos, mas como instrumentos dessa política repressiva. Reinava um silêncio intimidado, que impedia denúncias e a exigência de apuração das responsabilidades. O poder estatal, além de protegê-los, ocultava da opinião pública nacional e internacional a brutalidade dos fatos.

Não é admissível que os relatos das sevícias cometidas naquele período sombrio da nossa história sejam relativizados ou, pior, aplaudidos por autoridades que exercem cargos eletivos numa democracia. Discursos negacionistas invertem a lógica da verdade histórica: em vez de denunciar as torturas, exaltam os torturadores, lançando dúvidas sobre o legado de sofrimento e violência que marcou milhares de brasileiros e suas famílias.

www.reporteriedoferreira.com.br       Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor




POR UMA NOVA ONDA DE DEMOCRATIZAÇÃO Por Ruy Leitao 

POR UMA NOVA ONDA DE DEMOCRATIZAÇÃO Por Ruy Leitao

No Brasil, temos enfrentado, permanentemente, o desafio de democratizar a democracia. É o preço que pagamos por termos construído nosso regime democrático sobre as ruínas de um sistema marcado por profundas heranças autoritárias. Esse é um dilema comum às democracias que sucedem regimes totalitários: o confronto entre a memória e a justiça.

Hannah Arendt defende que a transição de regimes autoritários para democráticos deve envolver não apenas mudanças institucionais, mas também a transformação da percepção política da sociedade.

Quando a ditadura militar chegou ao fim, o processo de transição ocorreu de forma lenta e controlada, dificultando a ruptura com o passado e perpetuando traços autoritários na cultura política nacional. Essa incompleta superação refletiu-se no comportamento de parte das lideranças e do eleitorado, que passaram a demonstrar nostalgia por um “governo forte”, mantendo viva a tentação autoritária. A reinstauração da democracia, em 1985, restringiu-se, em grande medida, às instâncias políticas, jurídicas e institucionais, sem alcançar a necessária transformação social e cultural.

É verdade que, nas últimas décadas, avançamos na implementação de políticas públicas de inclusão e de ampliação de direitos, especialmente voltadas às minorias. Houve progressos na luta contra a desigualdade e o racismo estrutural. Contudo, continuamos a praticar uma política mercantilizada, orientada por interesses corporativos de grandes grupos econômicos — das finanças, da indústria, da mineração, do agronegócio e da mídia. Quando o mercado político privatiza a representação popular, colocando-se acima da cidadania, sufoca a pluralidade de ideias que dá substância à vida democrática.

A democracia deve estar em constante processo de renovação, sob pena de definhar e morrer. Daí a importância das mobilizações populares, do ativismo das organizações sociais e do respeito à diversidade de vozes no debate público. Uma democracia viva manifesta-se na pressão, no conflito e na negociação. Precisamos gestar uma nova onda de democratização profunda, capaz de reagir às ameaças que pairam sobre os pilares do Estado de Direito. Se a sociedade não resiste, o autoritarismo se legitima.

Ainda convivemos com uma cultura democrática fragilizada, que, em momentos de instabilidade, tende a evocar os resquícios do passado autoritário. Os entulhos da ditadura militar precisam ser definitivamente removidos, para que nunca mais corramos o risco de ver nossa democracia ameaçada.

Rui Leitão




O HOMEM-MASSA E A CULTURA DA CORROSÃO DEMOCRÁTICA Por Rui Leitao

O HOMEM-MASSA E A CULTURA DA CORROSÃO DEMOCRÁTICA Por Rui Leitao

Quando o filósofo espanhol José Ortega y Gasset publicou, em 1930, a coletânea de artigos intitulada A Rebelião das Massas, já demonstrava sua preocupação com a ascensão do que conceituou como “homem-massa” no final do século XIX e início do século XX. Esse personagem, dizia ele, agia “como irracional, medíocre, avesso ao estudo e à sabedoria, incorporando a derrota do saber e do bem-comum e a sede cega dos fascismos”.

O “homem-massa” tende a apoiar causas populistas e agressivas, depositando seu voto em favor de outsiders que fazem questão de demonstrar pouco se importar com o bem-estar social. Constrói uma ideia política centrada nos próprios interesses e, por isso, não se constrange em partilhar notícias falsas, acreditando contribuir para destruir um sistema político que eventualmente não o satisfaça. Elege como líderes figuras desprovidas de valores éticos e morais, algumas incapazes até de se expressar com clareza, que fazem discursos em desrespeito às leis e às instituições.

Ortega previu que esse comportamento caminharia em direção ao caos social, corroendo os fundamentos da cultura e da vida em coletividade. O homem-massa age como um robô, inautêntico, incapaz de dirigir a própria existência. Busca ser idêntico aos que fazem parte de sua “bolha ideológica”, rejeitando a classe social da qual realmente faz parte. Torna-se, assim, um homem vulgar.

Guiado por lideranças nas quais deposita confiança cega, anda ao acaso, ignorando a própria história de vida e movido por estímulos externos impregnados de preconceitos e ódios. Não reconhece limites, desde que atendidos seus desejos. Sem opiniões próprias, repete as dos outros, incapaz de agir criticamente, como um ventríloquo. Com a falta de conhecimento histórico e o baixo nível cultural, assume uma postura de submissão voluntária, perdendo a individualidade e aceitando ser manobrado como parte de um rebanho.

Ortega afirma que o homem-massa se orgulha “do direito de não ter razão, a razão da não-razão, que dá as costas aos valores da tradição liberal e introduz na vida pública um estilo de ação baseado sobre a sistemática agressão e cancelamento do outro, sobre idolatria do chefe carismático e sobre o estatismo totalitário”. Em síntese, é um antidemocrata.

O mais grave é o risco de termos uma sociedade de prioridades invertidas, relegando o conhecimento e a verdade a plano secundário e abandonando os valores morais como norte de uma vida em coletividade. Hoje, nas redes sociais, encontramos muitos exemplos desse personagem: pessoas que odeiam a tranquilidade e a meditação, que necessitam fugir de si mesmas, sensíveis à propaganda e dependentes de colunistas ou influenciadores que pensam por elas.

Aí está o grande perigo do protagonismo social do homem-massa: querer impor opiniões sobre qualquer questão da vida pública, mesmo permanecendo cego e surdo ao mundo real, vulnerável a influências nefastas. Se não quisermos sucumbir ao império do homem-massa, é preciso reafirmar a centralidade do conhecimento, da ética e da responsabilidade cidadã como valores inegociáveis da vida democrática.

www.reporteriedoferreira.com.br   Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor




O ESTRESSE POLÍTICO DA DIREITA NAS VÉSPERAS DE 2026; Ruiu Leitao 

O ESTRESSE POLÍTICO DA DIREITA NAS VÉSPERAS DE 2026; Ruiu Leitao

A direita brasileira enfrenta um dilema em torno do projeto de anistia. O chamado “centrão” não sabe como conduzir a questão: ao mesmo tempo em que demonstra solidariedade ao ex-presidente condenado pelo STF, também tenta herdar o seu inquestionável capital político nas eleições de 2026, diante de sua inelegibilidade. Prevalece a avaliação de que ainda precisa dele como cabo eleitoral. Por isso, muitos parlamentares defendem um projeto de dosimetria das penas como alternativa.

Nesse ambiente de incertezas, a pauta da anistia se mostra fragilizada, desgastada pela repercussão negativa junto à opinião pública. A percepção dominante é de que a proposta de uma anistia geral e irrestrita “subiu ao telhado”. Esse enfraquecimento compromete as articulações políticas e trava as negociações em favor das pretensões bolsonaristas.

As correntes conservadoras e radicais da direita se digladiam em disputas internas, esvaziando a possibilidade de uma proposta consensual. Falta um líder estrategista capaz de unificar o campo político. A fragmentação alimenta embates personalistas e compromete a obtenção de resultados efetivos.

Os movimentos desastrados do deputado Eduardo Bolsonaro, que busca se firmar como herdeiro do pai, ao colocar os interesses familiares acima dos nacionais, contribuem para a deslegitimação do bolsonarismo como principal força política da direita. Esse quadro cria a crise perfeita para o fortalecimento dos opositores.

O estresse interno impõe ao Centrão a necessidade de decidir entre apoiar incondicionalmente os desejos da família Bolsonaro ou atender às demandas mais amplas da sociedade. A defesa bolsonarista de uma anistia ampla, geral e irrestrita tem como objetivo central beneficiar o núcleo do fracassado plano golpista, em especial o ex-presidente. Essa esperteza, no entanto, não encontra boa receptividade. Fica cada vez mais evidente que o extremismo representado por Jair Bolsonaro só aceita a democracia no discurso.

Se a chamada “direita civilizada” morreu nas eleições de 2018, capturada pela ascensão de líderes avessos à democracia e apoiada no medo e no rebaixamento do debate público, agora começa a perceber que precisa retomar protagonismo político. O plano golpista mal sucedido sinaliza a perda de força da direita radical. A condenação do ex-presidente não deve ser vista apenas como um revés pessoal, mas como um alerta de que todo o campo conservador precisa se reorganizar em torno de pautas moderadas e preocupações sociais.

Resta saber se surgirão lideranças capazes de promover esse restabelecimento político. Afinal, 2026 está logo ali.

Rui Leitão




O ESTRESSE POLÍTICO DA DIREITA NAS VÉSPERAS DE 2026 Por Rui  Leitao 

O ESTRESSE POLÍTICO DA DIREITA NAS VÉSPERAS DE 2026 Por Rui  Leitao

A direita brasileira enfrenta um dilema em torno do projeto de anistia. O chamado “centrão” não sabe como conduzir a questão: ao mesmo tempo em que demonstra solidariedade ao ex-presidente condenado pelo STF, também tenta herdar o seu inquestionável capital político nas eleições de 2026, diante de sua inelegibilidade. Prevalece a avaliação de que ainda precisa dele como cabo eleitoral. Por isso, muitos parlamentares defendem um projeto de dosimetria das penas como alternativa.

Nesse ambiente de incertezas, a pauta da anistia se mostra fragilizada, desgastada pela repercussão negativa junto à opinião pública. A percepção dominante é de que a proposta de uma anistia geral e irrestrita “subiu ao telhado”. Esse enfraquecimento compromete as articulações políticas e trava as negociações em favor das pretensões bolsonaristas.

As correntes conservadoras e radicais da direita se digladiam em disputas internas, esvaziando a possibilidade de uma proposta consensual. Falta um líder estrategista capaz de unificar o campo político. A fragmentação alimenta embates personalistas e compromete a obtenção de resultados efetivos.

Os movimentos desastrados do deputado Eduardo Bolsonaro, que busca se firmar como herdeiro do pai, ao colocar os interesses familiares acima dos nacionais, contribuem para a deslegitimação do bolsonarismo como principal força política da direita. Esse quadro cria a crise perfeita para o fortalecimento dos opositores.

O estresse interno impõe ao Centrão a necessidade de decidir entre apoiar incondicionalmente os desejos da família Bolsonaro ou atender às demandas mais amplas da sociedade. A defesa bolsonarista de uma anistia ampla, geral e irrestrita tem como objetivo central beneficiar o núcleo do fracassado plano golpista, em especial o ex-presidente. Essa esperteza, no entanto, não encontra boa receptividade. Fica cada vez mais evidente que o extremismo representado por Jair Bolsonaro só aceita a democracia no discurso.

Se a chamada “direita civilizada” morreu nas eleições de 2018, capturada pela ascensão de líderes avessos à democracia e apoiada no medo e no rebaixamento do debate público, agora começa a perceber que precisa retomar protagonismo político. O plano golpista mal sucedido sinaliza a perda de força da direita radical. A condenação do ex-presidente não deve ser vista apenas como um revés pessoal, mas como um alerta de que todo o campo conservador precisa se reorganizar em torno de pautas moderadas e preocupações sociais.

Resta saber se surgirão lideranças capazes de promover esse restabelecimento político. Afinal, 2026 está logo ali.

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