O MASSACRE DE ELDORADO DO CARAJÁS Por Rui Leitao
O MASSACRE DE ELDORADO DO CARAJÁS Por Rui Leitao
O município de Eldorado do Carajás, no sul do Pará, foi palco de um genocídio que passou a ser conhecido como o Massacre de Eldorado do Carajás. No início da tarde do dia 17 de abril de 1996, cerca de 1,5 mil trabalhadores rurais estavam acampados no local, pretendendo marchar até a capital do estado, com o propósito de conseguir a desapropriação da fazenda Macaxeira, ocupada por 3,5 mil famílias sem-terra. Por volta das 17 horas, reagindo ao bloqueio da estrada PA-150, no km 95, que liga a Belém, dois pelotões das forças militares chegaram ao local e, sem que houvesse qualquer tentativa de negociação, empreenderam uma ação desastrosa, promovendo o ataque aos acampados, matando 19 trabalhadores e deixando 56 gravemente feridos.
Não se tratou de um caso isolado, mas foi o episódio mais cruel de tantos que aconteceram no meio rural, onde se repetiam conflitos entre agricultores e milícias privadas, formadas por jagunços e pistoleiros, patrocinadas por proprietários rurais com a colaboração de policiais militares. O massacre foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação do país, com repercussão no cenário político nacional. Os principais jornais do Brasil destacaram a forma como os detentores dos poderes públicos procuraram enfrentar essa situação gravíssima. O jornal O Povo, de Fortaleza, no dia 21, trazia a seguinte manchete: “FHC pede cadeia para o responsável pela chacina e admite que estrutura agrária está ultrapassada”. Quatro dias depois, o Diário do Nordeste estampava em sua capa principal: “Senado cria comissão para apurar chacina do Pará”.
Foram indiciados sob acusação de homicídio, pelo Inquérito Policial Militar (IPM), 155 policiais que participaram da operação, sendo oito oficiais e 147 praças (sargentos, cabos e soldados), além de quatro civis. Há quem afirme que essa decisão foi tomada propositadamente, pois, assim, ficaria mais difícil punir um grupo, já que a conduta necessária seria individualizada. Além disso, não foi realizada a devida perícia nas armas e projéteis, de forma que pudesse determinar quais policiais cometeram os assassinatos e lesões, o que contribuiu para a permanência da impunidade.
O Governo Federal, uma semana após o massacre, criou o Ministério da Reforma Agrária, nomeando o então presidente do Ibama, Raul Jungmann, para o cargo de ministro. Ao avaliar o vídeo do confronto, José Gregori, chefe de gabinete do Ministro da Justiça, declarou, em relatório elaborado, que “o réu desse crime é a polícia, que teve um comandante que agiu de forma inconveniente, de uma maneira que jamais poderia ter agido”.
O advogado Walmir Brelaz, autor do livro Os Sobreviventes do Massacre de Eldorado do Carajás: um caso de violação do princípio da dignidade da pessoa humana, declara que “A impunidade em relação a esse caso, especificamente, torna-se evidente: ela impulsiona novas violências. Mataram 19 trabalhadores e apenas um policial foi condenado. Parece que as mortes não existiram. O conflito ainda existe, como naquele período. Há 29 anos, praticamente nada mudou”. É inaceitável, então, que um dos maiores crimes já cometidos no campo no Brasil permaneça na impunidade. Após o massacre, o dia 17 de abril passou a marcar também o Dia Internacional de Luta Camponesa e a Jornada de Lutas do MST pela Reforma Agrária Popular, conhecida como “Abril Vermelho”.
www.reporteriedoferreira.com.br /Rui Leitão- advogado, jornalista, poeta, escritor