O SHOW DA REDEMOCRATIZAÇÃO; SHO Rui Leitao Jornalista

No ano em que o Colégio Eleitoral definia o fim da Ditadura Militar, elegendo a chapa Tancredo Neves e José Sarney para substituir o general Figueiredo, afirmando-se como o primeiro governo civil após duas décadas conhecidas como os “anos de chumbo”, realizava-se, no Rio de Janeiro, o primeiro festival de rock do Brasil. O evento contou com a participação de artistas de renome nacional, como Ivan Lins, Paralamas do Sucesso, Blitz, Barão Vermelho, Gilberto Gil, Alceu Valença, Roberto Carlos, Ney Matogrosso e Rita Lee, além de muitas atrações internacionais.
Alguns desses artistas retornavam ao país após anos de exílio. Era a edição inaugural do Rock in Rio. Sua importância não se restringiu a um momento de diversão e entretenimento; representou a afirmação política de uma geração que ansiava por liberdade e democracia. Havia um sentimento de vitória, potencializado pela juventude. O evento atraiu um público estimado em mais de um milhão de pessoas e aconteceu em meio à expectativa política pelo resultado da votação em Brasília. A esperança era de que, enfim, o país iniciaria o processo de redemocratização. O Kid Abelha e os Abóboras Selvagens se apresentaram na noite de 15 de janeiro, no exato momento da eleição, sendo anunciados como o “primeiro show da democracia brasileira”. Como não poderia ser diferente, carregavam a bandeira nacional, o que inflamou a multidão, que, em coro, gritava: “Brasil, Brasil!”.
Na plateia, majoritariamente composta por jovens, militantes do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) distribuíam panfletos com frases como: “O rock foi a forma que a juventude encontrou para botar para fora seus sentimentos” e “Para os reacionários, o rock vem ameaçar seus caducos e carcomidos preconceitos e valores”. Os artistas transmitiam seus recados por meio de músicas temáticas, alterando letras e fazendo discursos, transformando o festival em um evento político. Os Paralamas, em sua apresentação no dia 13 de janeiro, cantaram Inútil, do Ultraje a Rigor, cuja letra afirmava ironicamente: “A gente não sabemos escolher presidente”, uma crítica ao regime que não admitia o voto direto na eleição presidencial. No Barão Vermelho, Cazuza, enrolado na bandeira nacional, mudou o refrão de Pro Dia Nascer Feliz para Pro Brasil Nascer Feliz. Ivan Lins alterou a letra de Começar de Novo para criticar o fascismo e lembrar as pessoas que haviam desaparecido durante a ditadura.
O idealizador e promotor do grandioso evento, Rubem Medina, chegou a declarar: “O Rock in Rio será uma festa de comemoração da esperança para o País”. O governo, no entanto, usou a máquina pública para dificultar a realização do festival. A Cidade do Rock teve suas obras embargadas em setembro de 1984, sob a justificativa de que o local seria usado por escolas de samba. Quando o empresário conseguiu autorização para a continuidade dos trabalhos, a obra foi novamente impedida, desta vez sob o argumento de que o evento rivalizaria com o RioCentro, um dos maiores espaços de exposição do país. Finalmente, o Rock in Rio foi autorizado, com shows programados para o período de 11 a 20 de janeiro de 1985. O festival simbolizou um novo momento na história nacional e o festivo nascimento da Nova República.
www.reporteriedoferreira.com.br Rui Leitão-advogado, jornalista, poeta, escritor