MULHERES DE ATENAS, de Chico Buarque Por Rui Leitao
Alguns enxergam na letra dessa canção uma apologia à submissão e à subserviência das mulheres aos seus maridos. Prefiro acompanhar o pensamento de que se trata exatamente do contrário. Chico Buarque e Augusto Boal, autor da peça de mesmo título, Mulheres de Atenas (1976), usaram a ironia para despertar no público feminino a compreensão de que não deveriam mais se comportar como as mulheres da sociedade patriarcal da Grécia Antiga.
Mesmo com a revolução cultural experimentada em tempos recentes, com a emancipação feminina, muitas ainda adotam condutas semelhantes às das “mulheres de Atenas”—as chamadas “amélias”, para usar uma definição mais conhecida dos brasileiros. É como se a canção dissesse: “Abram os olhos, não sigam o exemplo da submissão plena às vontades dos maridos, como faziam as ‘mulheres de Atenas’.”
“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas / vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas / quando amadas, se perfumam / se banham com leite, se arrumam / suas melenas / quando fustigadas, não choram / se ajoelham, pedem, imploram / mais duras penas / cadenas… Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas / secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.”
Os compositores procuram advertir as mulheres da atualidade a não se espelharem nas mulheres de Atenas. Elas viviam exclusivamente para atender aos desejos de seus maridos, vendo neles a expressão do heroísmo grego—por isso, eram admirados e venerados. Faziam questão de se perfumar e se tornar mais atraentes para satisfazer os prazeres de seus homens. Quando maltratadas, mantinham-se conformadas com o sacrifício e, numa atitude de extremo servilismo, humilhavam-se, rogando perdão, quando a situação deveria ser inversa—eles é que deveriam pedir desculpas por castigá-las. Na verdade, viviam como prisioneiras.
As mulheres gregas daquela época não se lastimavam por suportar tanto sofrimento. Essa era a regra social estabelecida na relação de gêneros da sociedade ateniense. Os homens eram poderosos e tinham autoridade para determinar como suas esposas deveriam se conduzir. Ao saírem para a guerra, suas companheiras faziam voto de fidelidade e se entregavam totalmente às atividades de tecelagem, principal ofício daquele povo. Adotavam a abstinência sexual por anos, à espera do retorno de seus maridos, que, ao regressarem, desprezavam os afagos e carinhos, tão importantes nos encontros amorosos, e se mostravam embrutecidos pela ansiedade de suprir suas carências.
Despudoradamente, subjugavam suas mulheres a caprichos indecentes e devassos. As atenienses, resignadas, cumpriam suas “obrigações conjugais” ao se despirem para seus maridos, os quais consideravam bravos guerreiros, corajosos homens de sua terra. No entanto, quando se embriagavam, esqueciam aquelas a quem exigiam absoluta fidelidade e iam à procura de prostitutas. Ainda assim, ao voltarem das farras, fatigados, encontravam nos braços de suas belas esposas o aconchego necessário para o descanso.
Desde crianças, as mulheres de Atenas eram educadas para executar atividades domésticas e procriar, garantindo o nascimento de novos cidadãos atenienses. Não lhes era permitido ter opinião própria, e suas qualidades ou defeitos não tinham a menor importância. Sequer podiam sonhar. Viviam sob o império do medo, aterrorizadas pelo prenúncio de acontecimentos desagradáveis quando seus maridos singravam os mares, enfrentando tempestades. Sabiam que, em terras distantes, seus companheiros fantasiavam encontros com sereias—belas mulheres que povoavam o imaginário masculino.
Na sociedade patriarcal de Atenas, as mulheres se dedicavam unicamente aos seus maridos. Esse devotamento se confundia com o temor de perdê-los. Tanto as que já padeciam da viuvez quanto as que, grávidas, sofriam com a ausência dos companheiro…
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