O MANIFESTO DOS BISPOS E A ANÁLISE DE GONZAGA RODRIGUES ; Rui Leitao

O MANIFESTO DOS BISPOS E A ANÁLISE DE GONZAGA RODRIGUES ; Rui Leitao
A informação de que sete universitários paraibanos tiveram prisão preventiva decretada pela Auditoria Militar de Recife deixou Dom Hélder indignado, tanto que decidiu suspender os debates que antecederiam sua conferência em João Pessoa, no Teatro Santa Rosa, no dia quinze de agosto de 1968, temendo que o clima de insatisfação provocasse algum incidente difícil de ser contornado e de graves consequências.
Na manhã do dia dezesseis, tendo pernoitado na capital paraibana, hóspede de Dom José Maria Pires, decidiu tornar público um manifesto de compromisso com a causa dos estudantes e de agradecimento pela forma responsável e tranquila como a população se comportou durante o evento em que proferiu palestra, em plena via pública, já que o espaço do teatro foi insuficiente para a multidão que havia comparecido.
O documento redigido por Dom Hélder foi também assinado por Dom José Maria Pires e Dom Manoel Pereira, bispo de Campina Grande, cujo texto é transcrito a seguir:
“1. Vim a João Pessoa na noite de ontem, participar de uma reunião de instalação do Instituto de Formação para o Desenvolvimento, prevista para o Teatro Santa Rosa, contou com uma afluência tamanha de público que teve de ser transportada em assembleia pública para a frente do teatro.
2. Depois da apresentação do Instituto pelo arcebispo Dom José Maria Pires e pelo dr. Ronald de Queiroz, falei ao povo de coração aberto, batendo-me pela não violência, entendida esta como inconformismo em face da marginalização em que se acham as massas brasileiras.
3. Desejava dialogar com o auditório, dentro dos princípios democráticos da Pressão Moral Libertadora.
4. De público houve uma denúncia dos estudantes de que era impossível o diálogo desejado porque não sentiam o mínimo de condições para manifestarem o próprio pensamento. Alegaram, como prova, a prisão preventiva decretada contra sete colegas, ameaça de novas prisões e, no momento mesmo, a presença ostensiva da Polícia Federal e agentes do DOPS, vigiando a reunião.
5.Reconhecendo a procedência da denúncia estudantil, assegurei que iria tentar mobilizar ao máximo as forças morais da região e do país, de modo a tentar obter que os estudantes vejam reconhecidos o direito e o dever que lhes cabe no interesse pelos grandes problemas humanos e de por ele bater-se. Vi-me na contingência de suspender o encontro e de solicitar à multidão presente uma demonstração de auto-dominio, de auto-controle e se dispersasse em perfeita ordem, sem a mais leve agitação. Foi impressionante a resposta do povo.
6. Começando a dar cumprimento à promessa aos estudantes, não quis deixar João Pessoa sem um apelo ao Instituto de Formação para o Desenvolvimento no sentido de levantar a opinião pública em favor de maior compreensão em face das reivindicações dos estudantes, que em grande parte se confundem com os anseios do povo.
7. Esta declaração é firmada, conjuntamente com meus irmãos no Episcopado, Dom José Maria Pires e Dom Manoel Pereira, em testemunho da veracidade de quanto aqui se afirma e em consonância com tudo o que é sugerido”.
O acontecimento da noite do dia 15 de agosto foi assunto dominante em todos os ambientes da capital durante os dias seguintes, não só pela importância do tema, quanto pela magnitude do evento, levando à praça pública uma verdadeira multidão para ouvir aquele que era, no momento, o mais célebre pregador da libertação dos povos oprimidos do terceiro mundo e, ainda, pela liderança demonstrada quando conseguiu conter uma massa indignada com as arbitrariedades de que vinha sendo vítima por um governo totalitário e repressor, sem que qualquer incidente de perturbação da ordem pública ocorresse.
A respeito, o escritor e jornalista Gonzaga Rodrigues, em artigo publicado na sua coluna do dia 17, no jornal O Norte, assim se manifestou:
“Violência ou Não Violência foi o tema posto em discussão por Dom Hélder Câmara falando aos milhares que se concentraram em frente ao Teatro Santa Rosa e aos demais que preferiram ouvi-lo mais comodamente pelo rádio.
Se o caminho por ele indicado é uma solução histórica ou uma solução subjetiva, não nos pertence a análise. Cabe-nos, todavia, uma constatação, em nada original: a de que sua palavra é a grande motivação do momento. Dizendo certo ou errado, é o único que está falando, o único, por tanto, a ser ouvido.
No seu parecer, as mudanças de estruturas podem ser obtidas por pressão das massas, pela conscientização, entendido que a violência pode gerar uma violência maior, a da intervenção dos poderes imperialistas, transformando isso aqui num enorme Vietnã. Válida ou não a tese, mesmo que a pressão não logre as mudanças, a Igreja logra mais adeptos, sendo este talvez o principal objetivo de Dom Hélder. Ele próprio admitiu a omissão da Igreja no movimento de libertação dos negros, reconhecendo ser esta a hora de sua reabilitação perante os movivmentos populares. É o reencontro da Igreja com o povo.
Nisso Dom Hélder cumpriu seus objetivos, falando à multidão, quando programado era o teatro, trocando o recinto fechado pela rua. Em casa ou na rua, todo mundo ouviu Dom Hélder. Se sua fala não agradou a todos, foi o assunto de todos. Se não chegou a convencer boa parte, conseguiu motivar o geral”.
Rui Leitao– Advogado, jornalista, poeta, escritor