“FUTUROS AMANTES” Por Rui Leitao
“FUTUROS AMANTES” Por Rui Leitao
São músicas como “Futuros amantes” que fazem Chico Buarque ser
considerado um gênio. A letra, muito bem construída num poema
belíssimo, fala do amor como algo eterno, perene, transcendental.
Mesmo quando ele não é correspondido fica para sempre e um dia,
que pode ser milênios depois, esse amor poderá ser usado por outras
pessoas, portanto é atemporal. A canção data de 1993, incluída no
álbum “PARATODOS”.
“Não se afobe, não/Que nada é pra já/O amor não tem pressa”.
Chico começa aí a diferenciar o amor da paixão. A paixão é imediata,
requer ação urgente, não consegue esperar. O amor, ao contrário, é
paciente, resiste a tudo, inclusive ao tempo. Portanto, não adianta
afobação, ele é sereno, vai perdurar pela eternidade. Paixão tem a ver
com o desejo carnal, amor tem a ver com sentimentos da alma.
“Ele pode esperar em silêncio/Num fundo do armário/Na
posta-restante/Milênios, milênios/ No ar”. Amores, mesmo não
correspondidos, não vividos na sua intensidade, não conseguem
morrer. Eles se perpetuam, ficam guardados à espera de que, no
futuro, possam ser utilizados. A sua função pode até ser adiada, mas
permanecerá vivo por milênios, enquanto não consumido.
“E quem sabe, então/O Rio será/Alguma cidade submersa”. E
imagina o Rio de Janeiro, em tempos futuros, uma cidade submersa,
como a Atlântida, o continente perdido. E os registros de sua
história fiquem debaixo d’água, intactos, preservados, à espera dos
pesquisadores, daqueles que se darão ao trabalho de conhecer a
civilização desaparecida
“Os escafandristas virão/Explorar sua casa/Seu quarto, suas
coisas/Sua alma, desvãos”. A cidade isolada, mergulhada, passará
a ser explorada pelos escafandristas. E eles vasculharão tudo e
penetrarão em locais que foram da sua intimidade, onde o amor
nasceu e germinou. Procurarão, no mais escondido, pertences de
sua vida, sondar sua alma pretérita, tentando encontrar o que não
se materializou, mas pode estar na expectativa de ser descoberto, o
amor.
“Sábios em vão/Tentarão decifrar/O eco de antigas palavras/
Fragmentos de cartas, poemas/Mentiras, retratos/vestígios de estranha civilização”. Por mais que busquem entender, não
conseguirão encontrar respostas para as perguntas que surgirão. Para
eles seremos uma civilização desconhecida, estranha. Documentos
narram histórias que eles não têm capacidade de inferir. Constituem-
se enigmas indecifráveis.
“Não se afobe, não/Que nada é pra já/Amores serão sempre
amáveis”. As precipitações são desnecessárias, porque o amor, ainda
que não utilizado no tempo em que desejamos, vai, no momento
oportuno, encontrar seu destino. Se hoje ele não se efetiva, daqui a
milhões de anos, pode ser alcançado e vivido por outro. O amor existe
para ser exercido, vivido, aproveitado, embora em épocas distantes,
“amores serão sempre amáveis”, não são desperdiçados com o passar
dos anos.
“Futuros amantes, quiçá/Se amarão sem saber/Com o amor que
eu um dia/deixei pra você”. Quem sabe, diz o “eu lírico”, o amor
que ele deixa reservado, não correspondido, mas intacto no seu
conteúdo, ofertado à pessoa a quem dedicou esse sentimento em
vida, será praticado por póstero, sem que este perceba que foi uma
herança recebida.
Do livro CANÇÕES QUE FALAM POR NÓS, editado em 2015.
www.reporteriedoferreira.com.br/Rui Leitão- Advogado , jornalista, poeta e escritor