por THAÍSA OLIVEIRA
BRASÍLIA, DF – O enredo que transformou o coronel Jorge Eduardo Naime no policial preso há mais tempo pelo episódio de 8 de janeiro envolve não só a acusação formal de omissão, mas também indícios de corrupção, disputa pelo comando da corporação e discussões com o número dois do ministro da Justiça.
Chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal e de folga no dia dos ataques de janeiro, o oficial completou oito meses na prisão no sábado (7/10) – sendo o mais recente deles no batalhão do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.
A pecha de golpista acompanha Naime desde dezembro, quando bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal, incendiaram veículos e espalharam botijões de gás pela cidade. O grupo teve tempo até para tentar jogar um ônibus de um viaduto, mas ninguém foi preso.
Autoridades da PF e da Polícia Civil chamadas depois dos estragos relatam reservadamente que a impressão que ficou daquele dia foi a de que Naime estava por trás da inércia da Polícia Militar.
A defesa do coronel nega as acusações e afirma que “toda pessoa pode ser considerada má em uma história mal contada”. Os advogados dizem que Naime é um “ser humano exemplar” e um militar de “reputação ilibada que sempre honrou a sua farda de policial”.
No dia 8 de janeiro, aliados do coronel afirmam que ele não só queria ajudar, mas também mostrar serviço. Mesmo de folga desde o dia 3 e prestes a entrar de férias, Naime chegou à Esplanada dos Ministérios por volta das 17h40.
O oficial não escondia de ninguém o desejo de chegar ao comando da Polícia Militar do Distrito Federal, batia de frente com o então comandante, Fabio Vieira, e acumulava desafetos, como o subcomandante Klepter Rosa. Vieira e Rosa foram presos posteriormente, em agosto, também acusados de omissão.
O pedido de prisão que colocou Naime atrás das grades oito meses atrás elenca três argumentos: ele era o chefe do Departamento de Operações da PM, ameaçava fugir de Brasília e, naquele momento, deveria ser investigado pela suspeita de retardar o avanço das tropas contra os extremistas.
Desde então, a defesa contesta os argumentos da Polícia Federal para prendê-lo, e os do Ministério Público Federal para mantê-lo preso. Advogados dizem confiar que o ministro Alexandre de Moraes vai rejeitar a denúncia diante da “evidente ausência de justa causa”.
O entendimento de que o militar pretendia fugir de Brasília surgiu a partir de um boletim de ocorrência registrado por sua ex-esposa. Pessoas próximas ao coronel dizem que a relação dos dois é conturbada, e que o plano de Naime sempre foi passar férias em um clube da própria polícia na Bahia.
Já a acusação de que Naime retardou a ação dos policiais durante os ataques de 8 de janeiro ganhou força com o depoimento do número 2 do Ministério da Justiça e ex-interventor federal, Ricardo Capelli. Segundo relatos, Capelli e Naime discutiram várias vezes nos dias 8 e 9 de janeiro.
O secretário-executivo do ministério de Flávio Dino (PSB) disse mais de uma vez que, ao entrar em campo, viu com os próprios olhos o oficial tentando atrasar a ação das tropas. A desconfiança aumentou no dia seguinte, quando os ônibus com os presos demoraram para chegar à Polícia Federal.
O oficial se defendeu na CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal, em março: disse que seguiu as normas, sugeriu que Capelli não entende como funciona a ação da PM e declarou que segurou o envio dos ônibus porque não havia estrutura para receber os vândalos.
A avaliação de pessoas que acompanham o caso é a de que o depoimento de Capelli foi decisivo para sedimentar a acusação de golpismo que vinha desde o ano passado.
Enquanto Naime foi preso, seu principal adversário na disputa interna pelo comando da Polícia Militar, Klepter Rosa, foi promovido por Capelli de subcomandante a comandante e homenageado publicamente por ele ?antes de ser preso a pedido da PGR.
A falta de detalhes da denúncia contra Naime apresentada pelo procurador Carlos Frederico Santos em agosto serviu para alimentar ainda mais a percepção.
O Ministério Público Federal argumenta que Naime tinha o dever de agir, mesmo estando de folga, e sabia dos riscos porque participava de grupos de WhatsApp nos quais informes de inteligência eram difundidos.
O MPF também elenca mensagens supostamente golpistas trocadas pela cúpula da Polícia Militar do governo de Ibaneis Rocha (MDB) e afirma que “as desinformações que circulavam entre o alto oficialato da PMDF demonstravam expectativa de mobilização popular para garantir Bolsonaro no poder”.
Em uma delas, trocada com o coronel da PM Marcelo Casimiro no dia 2 de novembro, Naime demonstra irritação com o Exército por causa do acampamento em frente ao quartel-general e chama os militares de melancias (expressão usada para sugerir que eles eram comunistas).
Em outra, Casimiro envia um vídeo para Vieira e conta que também tinha compartilhado o material com Naime. Na gravação, segundo a denúncia, um homem diz que era preciso “clamar nas ruas” para que o Brasil tivesse “novos rumos, novas eleições, com voto impresso”.
A defesa afirma que a denúncia é vaga, imprecisa, não possui nexo com o dia 8 de janeiro e pressupõe que o coronel é responsável pelo episódio simplesmente pelo cargo que ocupava.
Os advogados Iuri Cavalcante, Pedro Figueiredo e Izabella Borges dizem que Naime estava de licença para cuidar de sua saúde e que, ao contrário do que aponta o MPF, assumiu o controle da tropa, zelou pelo patrimônio público, realizou prisões e foi atingido por um rojão na perna.
“A forma como se apresenta a suposta participação do sr. Naime nos fatos em apuração predispõe a uma responsabilidade objetiva, simplesmente por ele ter ocupado uma posição no DOP [Departamento de Operações], como se detivesse um dever de cautela permanente, até mesmo no período de licença, o que não encontra respaldo na legislação brasileira, que não tolera o trabalho escravo e foi objeto de muitas lutas para incluir os direitos sociais dos trabalhadores, seja da iniciativa pública ou privada”, dizem em nota.
A situação de Naime na Polícia Militar do Distrito Federal se complicou ainda mais a partir de suspeitas de corrupção que apareceram durante a investigação do 8 de janeiro. Em junho de 2021, ele teria feito o transporte de R$ 1 milhão em espécie entre São Paulo e Brasília.
A Procuradoria-Geral da República afirma que há indícios de que o coronel tenha usado a estrutura da Polícia Militar para escoltar valores em dinheiro e desviado recursos da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal, presidida nos últimos anos por ele.
Relator da CPI do DF e policial militar da reserva, Hermeto (MDB) tem dito que ainda não está convencido de que a cúpula da PM tenha participado de um plano golpista. A cerca de dois meses do fim das investigações, a tese do deputado distrital é a de negligência por parte da corporação.
O presidente da comissão, deputado Chico Vigilante (PT), vai na direção oposta. “A impressão que eu tenho é de que ele é culpado. Por isso ele está preso até hoje. Ele participou do plano para que a PM não agisse naquele dia”.
Já a CPI do Congresso Nacional avançou pouco em relação às pontas soltas do Governo do Distrito Federal. Naime chorou e encerrou seu depoimento à comissão, em junho, com apoio dos bolsonaristas.
Os advogados de Naime afirmam que ele estava de folga no 8 de janeiro, que havia outros militares responsáveis pelo departamento dele e que não há na denúncia contra ele “uma linha sequer que determine os motivos que indicam concretamente a sua participação na condução dos trabalhos da PMDF” naquela data.
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