A morte do grauçá por: Gilvan de Brito

A MORTE DO GRAUÇÁ
Nas caminhadas que faço diariamente à beira-mar, acontecem coisas que superam a nossa imaginação. como no fim de tarde de hoje. Como de costume, no meio do percurso sento-me para contemplar, durante alguns minutos, o bailado dos coqueiros, as ondas quebrando nas areias brancas, os pescadores fisgando bagres e sentir a força dos ventos soprados do Atlântico. Hoje foi diferente: surgiu um caranguejinho daqueles, meio- amarelados – que chamam Grauçá ou Maria Farinha – e foi se aproximando. Estranhei porque eles são muito ariscos, temendo a perseguição de pessoas que, por maldade, procuram tangê-los à toca ou apanhá-los. Como são frágeis, eles não suportam a manipulação e morrem. Este que me surgiu à frente agiu de forma diferente: foi se aproximando aos poucos, observando-me com aqueles olhinhos de palito, meio desconfiado e parou a um metro e meio de distância. Ficou olhando atentamente e depois relaxou, recolhendo as oito patas abaixo da carapaça e pousando as duas patas-garras maiores nas areias. Sentou-se descontraidamente e recolheu os dois olhos às duas caixas protetoras. Mexi-me, com gesto lentos, para não o espantar e ele não fez qualquer menção de que estava temendo a minha presença. Pessoas passavam perto e ele nem se mexia. Nunca tinha visto nada igual e nem imaginava que podia gerar uma atração tão grande pelos crustáceos decápodes. Ele ali no chão, tranquilo, confiante, com uma curiosa certeza de que eu não o faria mal, e eu o observando, admirado com a coragem daquela minúscula vida cujos pensamentos procurava adivinhar. De repente, mais que de repente, desce uma mulher em corrida desabalada, que eu só a vi quando estava ao meu lado, em velocidade na direção das águas (como fazem algumas pessoas quando chegam diante do mar) e esmaga o caranguejinho com um pisão que nem se deu conta. Só consegui ver quando ela passou. Não havia movimentos. Peguei-o, entristecido com o acontecimento e observei que não havia um sopro de vida naquele frágil corpo, patinhas penduradas. E a mulher nem se dera conta, mergulhou e saiu nadando nas águas do mar. Então, enterrei-o na areia meia molhada das chuvas que haviam caído. E sai caminhando, arrasado, com as imagens na memória daquele animal tão alegre, disposto e seguro diante da minha presença, a quem havia confiado a sua vida, e eu não podia salvá-lo porque não deu tempo de interromper a corrida da banhista apressada. Ainda estou triste ao escrever estas linhas.

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