Este ano, os devotos celebram os 21 anos de morte de Frei Damião, que o povo do nordeste passou a considerar como sucessor de Padre Cícero Romão. Em Canafístula, Distrito de Palmeira dos Índios, se encontra o memorial Frei Damião, construído pelo ex-deputado federal Antônio Ferreira, e que costuma receber a visita de fiéis de várias partes do país.
Simples e austero como os antigos monges, acolhido em todo o Nordeste, como se fosse o próprio Padre Cícero que debaixo de outro invólucro tivesse regressado a terra, os nordestinos cultuam a sua memória com muita devoção e fé. Em verdade ele foi um fator de contenção de revolta dos que sofrem nos setores e consagrou toda sua vida, a exemplo de João Batista e Jeremias, aos desamparados da sorte, aos filhos pobres dos sertões.
O curioso, para a fé popular, é que em Canafístula existe uma fonte de água que ao ser perfurada deu salobra e após Frei Damião batizá-la, o líquido precioso da fonte tornou-se água mineral. Os romeiros acreditam nisso. E ai de quem duvidar. Será excomungado, dizem eles.
Alheio às vaidades humanas, vestia sempre uma batina velha. Mas foi notável sua influência e catequese no Sertão. O grande consolador das gentes abandonadas que sempre tiveram fome e sede de justiça. Um verdadeiro santo.
Frei Damião nasceu em Bozzano, município de Massarosa, Província de Lucca, na Itália, em 5 de novembro de 1898. No dia seguinte ao seu nascimento, foi batizado na igreja dos santos Catarina e Próspero, matriz de Bozzano, recebendo o nome de Pio Giannotti. Aos 13 anos, ingressou no Seminário Seráfico de Camigliano, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Aos 17 anos, em julho de 1915, emitiu os primeiros votos, recebendo o nome de Damião, Frei Damião de Bozzano, indicando sua cidade de origem.
Em 1920, iniciou os estudos de teologia e foi enviado à Universidade Gregoriana de Roma, onde graduou-se com láurea em Direito Canônico e Teologia Dogmática. Em 1923, foi ordenado sacerdote na igreja do antigo Colégio São Lourenço de Bríndisi, em Roma.
Dois anos após a sua ordenação, Frei Damião de Bozzano foi nomeado vice-mestre de noviços de sua província religiosa (Lucca-Itália). Em 1926, foi nomeado diretor e professor dos frades estudantes, cargo que exerceu até 1931, ano de sua vinda para o Brasil. Já no país, foi eleito assistente (Conselheiro) da então Custódia Geral dos Capuchinhos de Pernambuco. No estado, dedicou-se às santas missões durante 66 anos.
Frei Damião e as Lendas do Povo
Certo dia, Frei Damião encomendou o corpo de um agiota e disse: “Onde está o teu tesouro, lá está o teu coração”, afirmando aos que ouviam: “no cofre do seu dinheiro está o seu coração que ele não pode levar à sepultura” e todos ficaram admirados, pois aquilo era uma verdade.
Outra vez, contam, discursou aos peixes que, em cardume, foram ouvi-lo pondo fora da água as cabeças. O Frei disse: “Louvado seja Deus, mais honrado dos peixes que os homens”, e muitos homens e mulheres afluíram à inusitada pregação. O povo, carente de fé e de um protetor, engolido por doenças o procurava para sarar: dor no ventre, catarrão, sarnas recolhidas, moléstia interior, esquinência, obstrução, cobreiro, tosse, tísica, sirro, vômitos, inchação, lombrigas e tantas doenças – não só as da alma. E ainda, velhice, mordida de cobra, coice de burro, facada, estrepada, tiro, afogamentos. Atendia a todos com paciência franciscana. Principalmente nas Santas Missões cheias de gente, velas, procissões, cortejos imensos, acompanhando-o, como se fosse um novo Padre Cícero.
Querúbico santo, que aos povos ensinava a lição de Deus; que não tinha asas e voava mais ligeiro que o passarinho e o vento; que curava enfermos e que morreu vendo a face do Senhor estampada sobre ele. O bom velhinho, patriarca do sertão, sino maior das vilas e das cidades sertanejas, plangendo, hoje no coração de todos.
“Era no tempo em que estrelas do céu cintilavam na negra, cava boca das garruchas e clavinotes do sertão, em que as estrelas demoravam na boca-de-sino dos bacamartes, com seus triângulos prateados a refulgir, no seio das noites escuras de breu”.
Quem foi que jamais viu o frade descrer da regeneração de um pecador? Quem nele vislumbrou uma insinuação para que se fizesse mal a quem quer que fosse?
Outra particularidade do Frei: até o final de sua vida não cometeu nunca uma indiscrição, nem referências comprometedoras ou confidências despropositadas. Dele se poderia dizer o que disse Tristão de Athaíde sobre Padre Leonel Franca: “Nunca perdia a luminosidade, o comedimento e compostura própria de um confessor de fé”. Detentor de segredos de centenas de pessoas, principalmente de políticos, conhecedor de situações escabrosas, nem em conversa com seus melhores amigos, o Frei traia a confiança nele depositada.
Quanto aos donativos, recebia-os sem comentários e boa parte deles era imediatamente entregue a outras mãos que para o velho frade se estendiam em súplica, sem ter verificado a quantia que acabavam de botar no bolso de sua surrada batina.
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